sexta-feira, 29 de junho de 2012

Dicas de 51 FILMES DE COMÉDIA

1- Forrest Gump - O Contador de Histórias
2- Todo Poderoso
3- O Alto da Compadecida
4- Penetras Bom de Bico
5- Lisbela e o Prisioneiro
6- As Branquelas
7- Do Que as Mulheres Gostam
8- Passaporte para a confusão
9- O Amor é Cego
10- Se Beber, Não Case
11- A Proposta (2009)
12- Como se Fosse a Primeira vez
13- Dias Incríveis
14- Como Perder um Homem em 10 Dias
15- 10 Coisas Que Eu Odeio Em Você
16- Entrando Numa Fria
17- A Mulher Invisível
18- Escola de Rock
19- O Virgem de 40 anos
20- Sim Senhor
21- Todo Mundo em Pânico
22- Uma Noite no Museu
23- Matadores de Velhinhas
24- O Paizão
25- Os Normais - O Filme
26- SOS. do Amor
27- Kung Fun futebol Clube
28- Ace Ventura - Um Detetive Diferente
29- Casamento Grego
30- Nota 10 A Primeira vez e ainda melhor
31- American Pie - O Casamento
32- Gente Grande
33- Recém-Casados
34- Plano B
35- Os Fantasmas Se Divertem
36- Quase irmãos
37- American Pie O Casamento
38- Simplesmente Complicado
39- 17 Outra Vez
40- Doze é Demais
41- As Loucuras de Dick e Jane
42- Mamma Mia!
43- Madrugada Muito Louca
44- Entrando Numa Fria Maior Ainda
45- Os Batutinhas
46- Caçador de Recompensas
47- O Roqueiro
48- Noivas em Guerra
49- As Patricinhas de Beverly Hills
50- Viajem Muito Louca
51- Com a Bola Toda

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Filmes para completar sua coleção I

Cavalo de Guerra / War Horse






Nota: ★★★☆
Será que vou ter coragem de dizer? Vamos lá: Cavalo de Guerra é inacreditavelmente sentimentalóide, piegas. E no entanto é um brilho de filme.

Filmes para completar sua coleção II

UM BOM ANO - (FOX FILM)


 
   



SINOPSE: UM BOM ANO - O londrino Max Skinner (RUSSELL CROWE), especialista em investimentos, muda-se para a região da Provence para vender um pequeno vinhedo que herdou de seu falecido tio. Max relutantemente entra no que acaba sendo um alucinante novo capítulo na sua vida, e descobre que a vida deve ser saboreada.
Presunçoso e arrogante, teimoso e bonitão, Max Skinner é um banqueiro especializado em compra e venda de títulos. Ele é um gigante financeiro que devora a concorrência, tentando conquistar o mercado europeu. Sua última conquista rendeu um lucro líquido de sete dígitos, para a tristeza de seus rivais vestidos com ternos elegantes da Saville Row. O triunfo de Max combina com sua filosofia: ganhar não é tudo, mas é a única coisa que importa!
Mas Max recebe tristes notícias da França: seu idoso tio Henry (ALBERT FINNEY) faleceu. Max é seu parente mais próximo e único herdeiro, tendo direito a um castelo e um vinhedo na Provence, La Siroque, onde Henry cultivou uvas por mais de 30 anos.
Ele viaja para o castelo onde passava as férias de verão quando criança, ao lado do tio excêntrico de quem não tinha notícias há anos. Enquanto cuida do inventário, Max é suspenso da sua firma e fica sob investigação devido à sua questionável transação de títulos.
Tendo seu estilo de vida em Londres ameaçado, ele hesitantemente começa a se estabelecer no castelo. Reúne-se com o antigo vigneron, Francis Duflot (DIDIER BOURDON), que cuida das vinhas há três décadas e de quem ele se lembra de suas visitas na infância. A mulher de Duflot, a exuberante Ludivine (ISABELLE CANDELIER), é quem cuida da propriedade e recebe Max afetuosamente.
Max não sabe se conseguiria se adaptar à vida no sul da França. Telefona para o melhor amigo, o corretor de imóveis Charlie Willis (TOM HOLLANDER), para saber quanto valeriam a propriedade e o vinhedo. Charlie diz que pequenos vinhedos com um bom produto podem render milhões de dólares com a venda de vinho em pequena quantidade, uma butique de vinho. Uma verdadeira garantia para o caso de Max perder o emprego.
Max se lembra com carinho dos verões passados na região com um homem cuja sabedoria e filosofia o ajudaram a planejar sua carreira de sucesso, enquanto pensa no futuro nebuloso à sua frente. É quando surge uma complicação com a chegada de uma garota californiana determinada, de 20 e poucos anos, Christie Roberts (ABBIE CORNISH). Christie, que é do Vale do Napa, diz ser a filha bastarda do falecido tio. Se a revelação for verdadeira, ela é prima de Max e, de acordo com a lei francesa, a herdeira de La Siroque.
Suspeitando da veracidade da história de Christie, Max faz perguntas sobre seu passado e discute com ela o destino da propriedade, cujo plonk (como os franceses definem o vinho ruim) parece o pior vinagre imaginável. Max, que provou o horrível vin de pays de La Siroque também encontra outras garrafas na adega do tio, com o nome Le Coin Perdu (o Canto Perdido). Esse misterioso e legendário vin de garage alcançou altíssimas somas por garrafa no mercado negro durante muitos anos, de acordo com a charmosa proprietária do café local, Fanny Chenal (MARION COTILLARD), por quem Max se apaixona.
De onde vem o vinho e por que Duflot insiste em ficar em La Siroque qualquer que seja o destino do vinhedo? E o que existe a respeito de vinhas diferentes descobertas na propriedade por Christie, que o rude vinhateiro diz serem experimentais, tendo um renomado enólogo as considerado imprestáveis?
As lembranças de Max trazem emoções e sentimentos que ele pensava estarem perdidos e dão a ele uma nova forma de apreciar a filosofia de vida do falecido tio e a vida na região da Provence: “Não há nada no mundo em que se possa ficar ocupado fazendo tão pouco, e ainda assim ter tanto prazer!”




Corações Perdidos / Welcome to the Rileys


Nota: ★★★★
Uma maravilha de filme, este Corações Perdidos, no original Welcome to the Rileys. Drama sério, adulto, para público adulto, com interpretações não menos que magníficas de seus três atores principas, James Gandolfini, Melissa Leo e a garota Kristen Stewart.
Uma das coisas boas da vida é ver um filme sobre o qual não sabemos coisa alguma, e ser surpreendido pela grande qualidade da obra. Não acontece com grande freqüência, mas é exatamente o caso deste Corações Perdidos. Não tinha ouvido falar dele, não tinha lido uma linha sobre ele; pegamos na locadora apenas porque era um drama, estava entre os lançamentos e tinha o nome dos três atores na capa do DVD.
Como tantos filmes recentes – é uma produção de 2010, e não dos grandes estúdios -, ele não tem créditos iniciais, e portanto só ficamos sabendo quem era o diretor depois do fim da narrativa, nos créditos finais.
É de Jake Scott, e o nome por si só não fez cair ficha alguma. Só em seguida, quando os créditos indicam que é uma produção de Ridley Scott e Tony Scott, me lembrei que Jake é filho de Ridley, sobrinho de Tony.
Que família! Outra filha de Ridley, Jordan Scott, também é diretora – fez Sedução/Cracks, de 2009, um filme de visual assombrosamente belo mas que se revela, ao final, na minha opinião, um grande desapontamento.
Jake Scott, nascido em 1965, vem do universo musical, pelo que se vê no IMDb. Dirigiu vídeos de grandes nomes – R.E.M., Tori Amos, Cranberries, Smashing Pumpkins. Parece que este aqui é seu segundo longa-metragem, apenas.
Perda, o tocar a vida depois dela, marginalidade, pobreza, falta de opções
Que coisa impressionante, chocante. Jovem demais, o cara dirige feito gente grande, com uma maestria, um domínio da narrativa, uma capacidade para obter grandes interpretações que muito veterano não tem.
Teve a inteligência, o bom gosto de participar de um projeto que tinha uma bela história, contada num roteiro de primeiríssima qualidade.
É um drama familiar; fala sobre perda, e o tocar a vida depois dela, um tema duro, importante, que tem sido bastante abordado em filmes americanos, especialmente os independentes – Reencontrando a Felicidade, As Coisas Impossíveis do Amor, Em Busca de uma Nova Chance, Vida que Segue.
Fala também sobre marginalidade, pobreza, falta de opções – os deserdados, os deixados de lado pelo Sonho Americano.
Na primeira tomada, vemos um carro em chamas. Fade out, a tela fica negra e surge apenas o título do filme – Welcome to the Rileys. Em seguida vemos, numa tomada muito escura, em close-up, o rosto de um homem que acende um cigarro. Ele se afasta, a câmara permanece fixa, e vemos que é James Gandolfini. Seu personagem, o Riley do título original, Doug Riley, tinha saído para fumar um cigarro; está em meio a um jogo de pôquer com os amigos. Do pôquer, vai a um restaurante simples, comer waffles. Conversa com a garçonete, Vivian – e pela conversa deles ficamos sabendo que toda quinta-feira, após jogar cartas com os amigos, Doug vai até aquele lugar comer sempre o mesmo prato de waffles – e, em seguida, come Vivian, a garçonete. São amantes há quatro anos.
Quando Doug chega em casa, a câmara mostra uma plaquinha na parede de fora: “Welcome to the Rileys”. Bem-vindo ao lar dos Rileys. Uma ironia dura, trágica, a do título do filme – como, por exemplo, os títulos Estamos Todos Bem, do filme de Giuseppe Tornatore, mais tarde refeito nos Estados Unidos como Everybody’s Fine, e Não Se Preocupe, Estou Bem!, de Phillippe Lioret. As coisas não estão nada bem, nos dois filmes citados.
Assim como as coisas não estão nada bem, no lar dos Rileys.
Oito anos depois da perda da filha, Lois continua em depressão, agorafóbica
Nos primeiros 15 minutos do filme, de uma forma absolutamente natural, numa narrativa tranquila, revela-se para o espectador uma série de fatos sobre os Rileys:
Têm uma vida bastante confortável, em termos materiais. Moram numa boa casa. Doug é sócio majoritário de uma empresa que possui lojas de material de construção.
Sua mulher, Lois (o papel de Melissa Leo, na foto acima), é uma mulher que vive em depressão desde que a filha única do casal, Emily, morreu, em 2001. A ação se passa em 2009, e a depressão de Lois dura portanto já oito anos. É tamanha, que ela desenvolveu agorafobia – em oito anos, jamais pisou fora de casa. Jamais voltou a ter relações sexuais com o marido.
Os dois se amam, se respeitam – mas é uma vida a dois tristíssima, sem gestos de afeto, sem conversas sobre a dor que sentem.
Com exatos dez minutos de filme, Doug fica sabendo que sua amante Vivian morreu subitamente, de ataque cardíaco.
Doug passa noites insones, fumando na garagem, chorando.
Ele tem que fazer uma viagem até New Orleans, para uma convenção de trabalho – vivem em Indiana. Planejara viajar com Vivian. Na cidade festeira, já se reconstruído após a passagem do furacão Katrina, a dor da perda de Vivian o oprime. Sai um dia do hotel em que se realiza a convenção, perambula pelo bairro francês, acaba entrando numa boate de strip-tease. Aos exatos 20 minutos de filme, na boate, é abordado por uma dançarina, uma garota que diz ter 22 anos mas tem a aparência de uns 16 – o papel de Kristen Stewart. A garota tenta excitá-lo, recita sua tabela de preços. Uma garota da idade da filha que ele perdeu.
Dois grandes atores em atuações esplêndidas, James Gandolfini e Melissa Leo. E Kristen Stewart muito bem
James Gandolfini é um grande ator. Tornou-se internacionalmente conhecido por seu papel central da série de imenso sucesso Família Soprano. Trabalhou em filmes dos irmãos Coen (O Homem Que Não Estava Lá), de John Turturro (Romance e Cigarros), de Joel Schumacher (Oito Milímetros), de Tony Scott (O Seqüestro do Metrô 1 2 3). Já ganhou 17 prêmios e outras 25 indicações.
Teve aqui um de seus melhores papéis, se não o melhor – e seu desempenho é absolutamente extraordinário.
Melissa Leo também é uma grande atriz. Não é uma estrela; não tem imensa beleza, e trabalha basicamente no cinema independente, mas ganhou o Oscar de melhor coadjuvante por O Vencedor, em 2011, dois anos após ter sido indicada na categoria principal por Rio Congelado. Tem um total de 32 prêmios e 16 indicações.
A interpretação dela neste Corações Perdidos é um espetáculo; dá vontade de aplaudir de pé como na ópera.
Há uma sequência, já na segunda metade do filme, em que os dois grandes atores estão juntos, que é uma coisa antológica, brilhante, emocionante.
Kristen Stewart contrabalança o fenômeno Crepúsculo com bons filmes
Aparecer em um filme sério, denso, em que estão James Gandolfini e Melissa Leo, não é para qualquer jovem ator. E sai-se bem, bastante bem, essa garotinha Kristen Stewart. A menina teve a sorte grande (ou seria um grande azar?) de ter sido escolhida para o principal papel feminino na série Crepúsculo, um sucesso absolutamente extraordinário entre os adolescentes do mundo todo.
É inteligente, esperta, ou então tem agentes muito bons, ou as duas coisas juntas, porque não deitou sobre os louros do sucesso comercial da série sobre vampiros. Teve uma interpretação bastante boa no papel da roqueira Joan Jett em The Runaways – Garotas do Rock. E teve a sorte de ser escolhida para o papel dessa jovem prostituta inteiramente perdida na vida.
Um Scott que promete demais, um filme que cala a boca de muita gente
Jake Scott. Eis aí um nome para guardar. Tem imenso talento, segurança, firmeza. Dá para se esperar muita coisa boa desse rapaz.
É uma beleza, uma maravilha de filme. Desses de calar a boca de quem – eu inclusive – reclama muito que o cinema se emburreceu nos últimos anos, nas últimas décadas; que o cinema se infantilizou com superproduções que dependem de efeitos especiais; que são muito poucas as histórias de pessoas comuns, gente como a gente; que é difícil se encontrar um filme adulto, para uma platéia madura, com personagens bem construídos.
Corações Perdidos/Welcome to the Rileys cala a boca de quem diz tudo isso aí. Quem diz tudo isso aí – eu inclusive – cai no pecado mortal da generalização, do falar sem ter base, lastro
A verdade é que, quando a gente generaliza, sem conhecer direito aquilo sobre o que se está falando, a gente fala muita merda. E há uma perigosa tendência de as pessoas acharem que conhecem muito mais do que a rigor conhecem. A verdade, mesmo, é que toda generalização é reducionista, pouco inteligente. Quando alguém empina o nariz e diz que detesta filme americano, pode acreditar: é genelarizador, reducionista, pouco inteligente.
Fazem-se muitos bons filmes, hoje em dia, sim, décadas depois de o cinemão comercial ter ficado mais raso, burro. Fazem-se muitos bons filmes, hoje, sim, inclusive – e especialmente – nos Estados Unidos. Nem só de blockbusters idiotas vive o cinema americano. Até porque não há um cinema americano, mas diversos tipos de cinema feitos nos Estados Unidos.
Este aqui, por exemplo, é uma beleza, uma maravilha de filme.

O Homem do Lado / El Hombre de al Lado


Nota: ★★★☆
O Homem do Lado é um filme que incomoda, deixa o espectador aflito, apreensivo, nervoso. Mostra uma disputa entre dois vizinhos por algo que parece pequeno, um detalhe. A tensão, no entanto, vai se elevando, inexoravelmente, e sabemos o tempo todo que virá uma tragédia.
O final é surpreendente, acachapante, apavorante.
É um filme extremamente bem realizado. Se não fosse por algumas coisinhas menores, devidas, sem dúvida, à juventude dos diretores – um excesso, o tempo todo, de close-ups, big close-ups, e um esticar um pouco demais a corda, o tempo de duração –, poderia ser um grande, magnífico filme.
Os jovens diretores argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat, eles próprios responsáveis pela direção de fotografia, mostram talento desde as primeiras imagens, os créditos iniciais. A tela está dividida ao meio; na metade da esquerda, há uma parede vista do lado de fora da casa; na metade da direita, a parede vista do lado de dentro da casa. Ruído de marretadas – está sendo aberto um buraco na parede.
É disso que se trata: um buraco em uma parede.
Leonardo (Rafael Spregelburd) é um designer de grande sucesso. Teve criações premiadas em bienais na Europa, dá aulas, é rico, bem sucedido – um yuppizinho porteño. Como prova de que se deu muito bem na vida, mora numa casa que a rigor deveria ser um museu: é a única residência projetada pelo legendário arquiteto Le Corbusier na América Latina.
É o típico projeto de arquiteto exibicionista, que pensa mais em sua própria glória que na comodidade de quem vai habitar o local. A casa, de três andares, tem longas rampas internas, é toda cheia de vidros, de ambientes de pé direito triplo, envolve em seu interior uma grande árvore, é extremamente ensolarada.
Numa das extremidades de uma das rampas que ligam os andares, há uma parede de vidro, dando para fora, para a parede externa de uma outra propriedade, um apartamento cuja entrada fica em outra rua. É nessa parede externa do apartamento vizinho, situada a uns dois metros da parede de vidro da casa de Leonardo, que operários começam a abrir uma janela.
Uma janela no apartamento vizinho vai devassar a casa de Leonardo. O vizinho passará a enxergar boa parte do interior da casa do designer.
Leonardo e sua mulher, Ana (Eugenia Alonso), ficam chocadíssimos.
Aparentemente, abrir aquela janela – além de devassar completamente a casa de Leonardo – é proibido pelas posturas municipais. Para fazer a obra, seria necessário, no mínimo, a concordância do ocupante da casa.
Leonardo abre a janela de vidro, berra para os pedreiros pararem a obra. Os pedreiros dizem que precisam falar com o dono do apartamento, Victor (Daniel Aráoz).
A primeira conversa entre Leonardo e Victor não corre bem. Leonardo é um tanto grosseiro, um tanto dono da verdade. Victor pede que eles se encontrem, vão a um bar, conversem numa boa. Ele precisa da janela – explica – para ter um pouco de claridade dentro de seu apartamento. Leonardo diz que não tem tempo para conversar num bar, está cheio de trabalho – e é preciso que Victor pare com a obra, já, imediatamente.
Um clima opressivo, pegajosamente perigoso
A disputa entre Leonardo e Victor a respeito da janela vai durar 110 minutos. A tensão será crescente.
O desempenho dos dois atores, maravilhoso, ajuda, e muito, a criar um clima opressivo, pegajosamente perigoso.
O grande pulo do gato do roteirista Andrés Duprat e dos diretores Mariano Cohn e Gastón Duprat é a definição dos dois tipos envolvidos na disputa – e a forma como a narrativa joga com as expectativas dos espectadores.
Leonardo, o da casa que será devassada pela janela, é um sujeito de formação universitária, um artista. Mora – repito, porque é importante – na única casa projetada por Le Corbusier na América Latina. Usa grandes óculos, tem a barba por fazer, é jovem, tem boa pinta.
Seu oponente, Victor, é um sujeito um tanto grosseirão, vulgar, jeito de malandrão. É óbvio que veio de família mais humilde e não teve muita educação formal – não tem diploma de faculdade. É careca, de mais idade, feioso. Obviamente tem hoje algum dinheiro, mas não fica claro hora nenhuma o que ele faz na vida, e, por suas maneiras, até parece que pode ter se envolvido em falcatruas de algum tipo.
A tendência natural é que o espectador tome partido de Leonardo. Leonardo é mais próximo do espectador do que Victor. E, além disso, ele estava lá primeiro, é a intimidade de seu lar que será devassada com a abertura da janela de Victor.
A expectativa dá com os burros n’água: o tipo grosseiro tem mais caráter que o jovem bem de vida
A tensão vai crescendo.
Quando o filme estava ali por uns 30, 40 minutos, e eu me mexia inquieto na poltrona, Mary comentou que, apesar de tudo, Victor, o tipo meio grosseirão, parecia um sujeito mais simpático, mais bom caráter, que Leonardo, o intelectualizado bem de vida. Mary tem uma inteligência aguçada, um faro fino para identificar as coisas. Eu ainda não tinha percebido isso.
Leonardo vai se revelando cada vez mais uma pessoa abjeta – ou, no mínimo, um caráter fraco. É prepotente, dono da verdade. O dinheiro que ganhou, os prêmios, a bajulação, tudo o deixou muito senhor de si. Acha-se superior àquele sujeito menos estudado do que ele, menos bem de vida do que ele.
É errático em suas ações. Foge de uma conversa franca, aberta, com o vizinho incômodo. Esconde-se em subterfúgios, em mentiras. É, vai-se percebendo ao longo da narrativa, um covarde.
Está muito bem de vida, em termos materiais, mas sua relação com Ana, a mulher, não é lá essas coisas. Conversam pouco, comunicam-se pouco. A relação dos dois com a filha, uma aborrescente aí de uns 13, 14 anos, é um fracasso total – ela simplesmente não fala com os pais.
Nos cinco minutos finais, os diretores enfiam uma peixeira afiada no espectador
O filme foi rodado na própria casa projetada por Le Corbusier. Chama-se Casa Curutchet, fica em La Plata, na Província de Buenos Aires. Foi construída entre 1949 e 1953, para um cirurgião importante, Pedro Domingo Curutchet. Hoje, sedia o Colegio dos Arquitetos de La Plata, que a aluga dos herdeiros do proprietário. Le Corbusier (1887-1965), nascido na Suíça e tornado cidadão do mundo, um dos arquitetos mais importantes do século XX, como se sabe, projetou, entre outras obras, o edifício sede da ONU, em Nova York.
Mariano Cohn nasceu em 1975. Não achei a idade de Gastón Duprat numa rápida busca, mas deve ser tão jovem quanto seu colega e co-diretor. Têm muito talento, esses dois garotos. Sabem criar personagens sólidos, sabem criar clima. Escolheram uma forma inquietante de contar uma história inquietante – e, nos cinco minutos finais de sua narrativa, enfiam uma peixeira afiada no espectador.
O Homem do Lado foi um grande sucesso no circuito dos festivais. Ganhou 12 prêmios e teve outras 11 indicações. Da Academia Argentina, levou os prêmios de melhor filme, melhor direção, melhor ator para Daniel Aráoz, melhor roteiro original, melhor música. Foi indicado ao Goya espanhol na categoria de melhor filme estrangeiro em língua espanhola, e teve um prêmio no Sundance de melhor filme dramático do cinema mundial.
Um belo – e apavorante – filme.

Uma Vida Melhor / A Better Life


Nota: ★★★½
Uma beleza de filme, este Uma Vida Melhor. Um drama pesado, triste a não mais poder, sobre a vida de mexicanos imigrantes ilegais nos Estados Unidos e uma relação de pai e filho. A realidade que mostra é extremamente amarga, mas o filme não é amargo: passa uma imensa simpatia por aquelas pessoas pobres, sofridas.
É um olhar profundamente humanista, de solidariedade por aqueles infelizes seres.
E é espantosamente simples, direto, sem firulas, sem frescuras. Embora seja em cores, e se passe na Los Angeles de hoje, às vezes a narrativa faz lembrar o neo-realismo italiano, tamanha sua simplicidade – e o humanismo com que os realizadores contam a história.
Demián Bichir está excelente como o trabalhador honesto, esforçado – e ilegal
Uma das grandes qualidades do filme é a atuação excelente, maravilhosa, do ator Demián Bichir, que lhe deu uma indicação ao Oscar. Ele faz o protagonista da história, Carlos Galindo. As primeiras sequências do filme mostram Carlos trabalhando como jardineiro em luxuosas casas de Los Angeles. Trabalha em dupla com um outro mexicano, Blasco (Joaquín Cosio). Blasco é mais velho, e está bem melhor de vida; tem sua caminhonete, que carrega as ferramentas de trabalho; é ele que é contratado pelos ricaços para cuidar de seus jardins – mas o trabalho duro fica todo por conta de Carlos.
Blasco quer voltar para o México; comprou uma pequena propriedade lá, e se prepara para retornar ao país natal. Quer vender para Carlos a caminhonete e as ferramentas. Mas Carlos tem dúvidas; suas economias não permitem que ele pague pelo instrumento de trabalho; teria que pedir dinheiro emprestado à irmã mais nova, Anita (Dolores Heredia), que está casada com um americano e teve sua situação regularizada.
Carlos continua ilegal: tentou obter o greencard, ou encaminhar o pedido de cidadania, mas o advogado que contratou levou um dinheiro e desapareceu.
E a falta de documentos é outro motivo que o deixa indeciso sobre a compra da caminhonete: se for pego em alguma batida de trânsito, sem papéis, sem carteira de habilitação, será certamente deportado.
Um adolescente criado sem mãe, cercado por gente de gangues
Carlos é um homem bom. É extremamente trabalhador, trabalha feito um mouro, é honestíssimo. Mas é um imigrante ilegal.
Mora numa casa humilde – humilde, mas decente, não miserável. A casa só tem um quarto, e o quarto é do seu único filho, Luis (José Julián, na foto), adolescente de 14 anos de idade. Depois de trabalhar duro o dia inteiro, Carlos dorme no sofá da sala, para que Luis tenha conforto, possa estudar e ter uma vida melhor.
Mal se falam, pai e filho adolescente. Luis não dá espaço para que haja diálogo.
São demais os perigos da adolescência, e perigos sérios rondam Luis bem de perto. Sua namorada é de uma família de gangue, seus amigos querem pertencer às gangues. A delinquência está muito próxima para os jovens imigrantes pobres.
Fica bem evidente para o espectador que Carlos criou Luis sozinho, sem a mãe, desde praticamente sempre.
Um clima forte de angústia, tristeza, pavor
Toda a narrativa é absolutamente simples, direta, quase como no neo-realismo italiano, repito. Há apenas dois momentos em que o diretor Chris Weitz e seu diretor de fotografia Javier Aguirresarobe (sujeito competentíssimo, registre-se) fogem dessa simplicidade absoluta. Uma delas é quando está para acontecer uma tragédia na vida duríssima, barra pesada, de Carlos, num momento em que ele escala uma palmeira alta e pára por um momento para admirar a vista linda de um trecho rico, cheio de verde, de Los Angeles. A câmara, em uma grua, faz um movimento deslumbrante.
Mais tarde, em outro momento de grande tensão, Carlos entra em um gigantesco restaurante-night club. Um conjunto mexicano está cantando no palco do lugar uma canção que fala em balas, tiros, mortes. Enquanto Carlos, mal vestido para aquele lugar, deslocado, caminha entre dezenas de pessoas que bebem, dançam, se divertem, o som da canção em espanhol vai abaixando, e ouvimos alguns acordes pesados de piano, que anunciam um clímax. É uma maravilha de seqüência.
O filme cria um clima forte de angústia, tristeza, pavor: o espectador é envolvido pelo drama de Carlos, simpatiza com ele, torce por ele, sofre com ele.
Um diretor que mostra sempre preocupação com os jovens tristes, solitários
Vejo que Chris Weitz, bem jovem – nasceu em Nova York em 1969 –, tem trabalhos como produtor, ator, roteirista e diretor. Como diretor, este Uma Vida Melhor é seu quinto longa-metragem, e seu primeiro drama. Fez em 2001 O Céu Pode Esperar, refilmagem da velha história do sujeito que morre antes da hora e tem nova oportunidade de voltar à vida, com Chris Rock no papel que já foi de Warren Beatty num filme de 1978 que teve o mesmo título em português, e já era uma refilmagem.
Em 2002 fez na Inglaterra Um Grande Garoto, uma simpática, gostosa comédia em que o personagem de Hugh Grant, um sujeito rico, inconsequente, babacão, acaba se afeiçoando a um garoto solitário, triste.
Em 2007 fez A Bússola de Ouro, uma aventura infanto-juvenil, e em 2009 dirigiu Lua Nova, da saga Crepúsculo, que não deixa de ser também uma aventura infanto-juvenil.
Essa filmografia um tanto irregular tem, me parece, algo que é um traço comum: a preocupação com os jovens tristes, solitários.
O cerne deste Uma Vida Melhor é a questão da imigração, sem dúvida – mas o filme vai fundo também na relação entre o adolescente à beira dos perigos e seu pai trabalhador, esforçado, homem bom, reto, honesto.
A vida do ator Demián Bichir de alguma forma lembra a de seu personagem
E é fascinante ver que há alguma relação entre o protagonista da história, o imigrante mexicano Carlos Galindo, e o ator que o interpreta, esse Demián Bichir que nos dá uma interpretação soberba, maravilhosa.
Demián Bichir tem sangue de ator. Nascido na Cidade do México em 1963, é filho de um diretor de teatro e uma atriz. Aos 14 anos, fez sua estréia como ator numa novela. Mudou-se aos 22 anos para os Estados Unidos, passou por Nova York, viveu quatro anos em Los Angeles, trabalhou como auxiliar de garçom e tentou obter alguma oportunidade como ator. Sem sucesso. Aí teve um convite para trabalhar em um filme em seu país, Hasta Morrir – e ganhou um Ariel, o Oscar mexicano. Sua carreira deslanchou; participou de filmes importantes. Em 1991, estrelou Sexo, pudor y lágrimas, um tremendo sucesso de bilheteria no México, que quebrou recordes na época. Steven Soderbergh o escolheu para fazer o papel de Fidel Castro no díptico Che, de 2008.
E agora, por sua interpretação em Uma Vida Melhor, tem no currículo uma indicação ao Oscar, além de uma indicação ao Independent Spirits Award, o prêmio do cinema independente americano, e ao do Screen Actors Guild, o do sindicato dos atores.
Uma belíssima atuação de Demián Bichir, uma muitíssimo bem sucedida estréia do diretor Chris Weitz no mundo do drama.
E que drama, que vida dura a que o filme mostra.

Feliz que Minha Mãe Esteja Viva / Je Suis Heureux que Ma Mère Soit Vivante


Nota: ★★★☆
É um drama familiar duríssimo, este Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, que Claude Miller dirigiu a quatro mãos com seu filho Nathan em 2009. Pai e filho dirigindo um filme sobre pais e filhos – uma história chocante, apavorante, que choca e apavora ainda mais porque se inspira em um caso real.
O roteiro – de autoria dos dois Miller, mais Alain Le Henry – partiu de um artigo de Emmanuel Carrère – jornalista, escritor, roteirista – publicado em meados dos anos 90 na revista semanal L’Évenement du Jeudi. O artigo contava em detalhes um drama familiar que havia sido divulgado pelos jornais franceses, um fait divers, como eles chamam.
A narrativa mistura, em especial em sua primeira meia hora, três épocas da vida do protagonista, Thomas.
Não aparecem aquelas legendas comuns em alguns filmes, situando as datas, mas, a partir de elementos mostrados ao longo da ação, pode-se perfeitamente estabelecer as épocas exatas. A ação se passa em 1991, quando Thomas tem 4 anos, e é interpretado pelo garotinho Gabin Lefebvre; em 1999, quando Thomas está com 12 anos (Maxime Renard); e, finalmente, em 2007, Thomas com 20 anos, interpretado – com brilho – pelo jovem Vincent Rottiers.

As lembranças que o rapaz guardou da mãe biológica têm relação com sexo
Thomas criança (à direita na foto), Thomas entrando na adolescência, Thomas jovem adulto.
O primeiro que vemos é o jovem. Ele está sentado no banco de trás de um carro, atrás do motorista – que não aparece. Observa uma região de prédios residenciais altos.
Logo em seguida vemos o Thomas de 12 anos, sentado exatamente no mesmo lugar, o banco de trás de um carro, atrás do motorista. A família está indo em férias para a praia – o pai, Yves (Yves Verhoeven), a mãe, Annie (Christine Citti), Thomas e o irmãozinho três anos mais novo, François.
Na praia, Thomas se lança ao mar com uma prancha de surfe. O pai tem dificuldade em nadar na mesma velocidade que ele. O garoto se distancia, vai até uma daquelas grandes bóias, quase jangadas, comuns em praias européias, usadas para as pessoas descansarem.
Quando Yves, o pai, chega até a bóia, está fulo da vida com o garoto. Reclama com ele, o chama de imbecil.
Thomas pergunta, de chofre, se sua mãe era bonita.
Yves fica um tanto atordoado pela pergunta. Responde que não sabe, que nunca a viu. E Thomas afirma que sim, ela era bonita – ele se lembra dela.
Revela-se assim, com menos de cinco minutos de filme, que Thomas foi adotado por Yves e Annie.
E então voltamos ainda mais atrás no tempo, para a época em que Thomas tinha 4 anos e seu irmãozinho era um bebê de quase um ano.
As primeiras seqüências dessa época mais distante são como se fossem lembranças que Thomas, aos 20 anos, tinha de quando estava com quatro anos e ainda morava com a mãe biológica, Julie (Sophie Cattani, na foto acima). Numa delas, o bebê está chorando; Thomas está deitado, mas ainda não dorme; um homem inteiramente nu pega o pequeno berço em que o bebê chora e o coloca do lado de fora do pequeno apartamento. Na seqüência seguinte, Thomas está deitado no chão do apartamento, brincando com o bebê, e a mãe está passando roupa bem perto dele. A câmara – como se fossem os olhos de Thomas – focaliza as pernas dela, o início das coxas, em seguida o decote.
A mãe recebendo namorado que anda nu pela casa. As coxas da mãe, o decote. As lembranças que Thomas guardou da infância têm relação com sexo.

A mãe abandona os dois filhos, um com quatro anos, outro beirando um ano apenas
É possível um rapaz de 20 anos ter lembranças da época em que tinha 4? Não sei. Eu não tenho lembranças de nada de quando tinha 4 anos, mas é possível que algumas pessoas tenham. Mary, ao meu lado, diz que é possível, sim.
Mas são só algumas das sequências desse passado mais remoto que parecem ser lembranças do jovem Thomas. Depois dessas que relatei, a câmara deixa de ser os olhos de Thomas, passa a ser uma câmara objetiva, que mostra a realidade que o garotinho não viu.
Julie, a jovem mãe, abandona os dois filhos, o mais velho com quatro anos, o mais jovem beirando um ano de idade.
E os dois são então adotados pelo casal Yves e Annie (na foto acima, a mãe adotiva e o garoto com 12 anos).
Só deveria ser pai ou mãe quem passasse em concurso sério, com banca examinadora exigente
O Thomas de 4 anos que o filme mostra é um garoto terno, suave, doce, que olha embevecido para a mãe e cuida do irmão mais novo.
O Thomas de 12 anos é um garoto perturbado, revoltado, que fica pensando na mãe biológica em boa parte do tempo e demonstra impaciência e até raiva dos pais adotivos.

Os pais, a essa altura, estão cansados, esgotados com a perturbação demonstrada pelo filho adotivo mais velho. Como tantos pais, adotivos ou não, simplesmente não sabem o que fazer com aquele pré-adolescente perdido no mundo.
Os filhos não vêm com manual de instruções, como diz minha amiga Teresa Cristina.
Os filhos não vêm com manual de instruções, e há gente que não deveria ter filhos. Quem disser que toda mulher tem condições de ser mãe é hipócrita, mentiroso – ou simplesmente não sabe das coisas.
Élisabeth Badinter, a escritora e filósofa francesa, autora de Um Amor Conquistado: o Mito do Amor Materno, que destrói exatamente o mito de que todas as mulheres estão preparadas para serem mães, com toda certeza terá aplaudido este filme.
Muito antes de ter ouvido falar em Élisabeth Batinder eu já pensava da mesma maneira. Uma vez, anos atrás – em 1995, para ser exato – anotei uma idéia para um texto que gostaria de escrever um dia, quase uma tese. Volto e meia repito isso, vou repetir de novo:
Os dogmas religiosos e a biologia que me perdoem, mas a lógica humana indica que Deus (ou a natureza, para quem não acredita em Deus) errou profundamente. Nenhum homem ou mulher deveria ter a capacidade de ser pai ou mãe – até prova em contrário. Ser pai ou mãe não deveria ser uma obrigação decorrente da biologia, deveria ser uma opção. Mais ainda: para permitir que alguém decidisse ser pai ou mãe deveria haver vestibular. Só poderia ter filhos quem passasse em concurso. Concurso sério, com prova de títulos e de conhecimento, e com banca examinadora exigente.
Ter filhos, no caso de algumas pessoas, é uma crueldade, um crime
O que este filme belo, sensível e trágico demonstra é exatamente o que Élisabeth Batinder defende, isso em que acredito profundamente: há pessoas, homens e mulheres, que não deveriam jamais ter filhos. Ter filhos, no caso de algumas pessoas, é uma crueldade, um crime.
É o caso de Julie, a mãe de Thomas.
Como é a frase? Errar é humano, perseverar no erro é diabólico.
Julie teve Thomas, depois Patrick (que os pais adotivos renomearam François) e depois ainda Frédéric.
Um realizador preocupado com os dramas familiares, as relações entre pais e filhos
Claude Miller teve a sorte de trabalhar como assistente de direção de François Truffaut, Jacques Demy e Jean-Luc Godard. Teve ainda a sorte de realizar um filme com base em roteiro que Truffaut deixou quase pronto – Ladra e Sedutora/La Petite Voleuse, de 1988, o filme que lançou Charlotte Gainsbourg para o estrelato. A jovem atriz havia estreado em outro filme de Miller, L’éffrontée, de 1985.
Foi aclamado já por seu primeiro longa-metragem, La Meilleure Façon de Marcher, de 1976, “obra de um grande refinamento psicológico”, segundo definição de Jean Tulard.
Em pelo menos dois outros de seus filmes feitos nos últimos dez anos, abordou dramas familiares, enfocando as dúvidas e temores dos jovens, e as relações pais e filhos. Tanto A Pequena Lili, de 2003, quanto Um Segredo de Família, de 2007, os dois já comentados neste site, são belos, sensíveis filmes.
Este Feliz que Minha Mãe Esteja Viva foi sua antepenúltima obra. Deixou pronto um filme de 2011, Voyez comme ils dansent, e um filme que estava ainda em fase de pós-produção, Thérèse Desqueyroux, em abril de 2012, quando morreu em Paris, aos 70 anos.
Miller tem talento para dirigir atores e traçar o retrato de seus personagens
Era um diretor de atores de extremo talento. Do elenco deste triste drama inspirado por uma história real, só me lembrava de Yves Verhoeven, que faz o pai adotivo do protagonista, e de Sabrina Ouazani (na foto abaixo), uma atriz de extrema beleza, e que só aparece em uma única seqüência. Todos os demais atores eram desconhecidos para mim – e todos estão excelentes. Esse garoto Vincent Rottiers, que faz o atormentado Thomas Jouvet aos 20 anos, está excepcional, repito.
Vincent Rottiers não é um estreante, de forma alguma. Sua filmografia já tem 27 títulos.
Sabrina Ouazani, jovem francesa (nasceu em 1988) de pais de origem argelina, tem mais filmes ainda no currículo: 33, vários deles com diretores de renome. Seu papel – pequeníssimo – é importante, e comprova o talento de Claude Miller para traçar o retrato psicológico de seus personagens.
Numa noite, Thomas está vagando pelas ruas, e acaba indo parar diante de um cinema. Troca algumas frases com a moça do caixa – interpretada por Sabrina Ouazani. Volta para a rua, fica parado na calçada durante uma hora. Quando a moça do caixa sai do trabalho, a última sessão terminada, ela a aborda. Conversam, andam juntos até perto da casa dela. Ela o convida para entrar, tomar uma Coca-Cola – aquela mulher de beleza faiscante, voluptuosa –, e Thomas se recusa. Não aceita o convite. Em seguida, há algo inesperado – é uma belíssima seqüência. Parece simples, à toa – mas revela muito sobre Thomas.
Um belo filme. Belo – e tristíssimo, apavorante.

O Garoto da Bicicleta / Le Gamin au Vélo


Nota: ★★★½
O Garoto da Bicicleta, dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, tem sido aclamadíssimo. Merece todas as loas que recebeu. É um filme magnífico, tão extraordinariamente bem realizado quanto duro, triste, desolador, apavorante.
Uma das muitas qualidades do filme é a forma de narrativa escolhida pelos Dardennes – absolutamente despojada, sem qualquer tipo de firula. Seca, até mesmo fria. Faz lembrar o neo-realismo italiano, e demonstra influência do Dogma dos dinamarqueses – sem os exageros deles, mas com muita câmara de mão, por exemplo.
Os irmãos não são chegados a planos rápidos. Muito ao contrário: seus planos são longos, quase planos-sequência. A câmara vai seguindo os personagens, vai acompanhando a interação entre eles, os diálogos, as brigas físicas – e há muitas brigas físicas no filme.
O fato de serem tomadas compridas realça ainda mais, para quem se preocupar em reparar nisso, como é esplêndido o trabalho dos atores. Claro: refazer uma tomada curtinha, de uns poucos segundos, para obter uma melhor interpretação, é bem mais fácil que repetir todo um longo diálogo, ou uma altercação.
É impressionante como é perfeito trabalho dos Dardennes como diretores de atores. Nisso, eles fazem lembrar o inglês Mike Leigh – e, não por coincidência, os temas dos belgas e do inglês são semelhantes, sempre as relações afetivas, as relações familiares.
Essas pequenas características técnicas que anotei – o uso de muita câmara de mão, os planos longos –, no entanto, são apenas detalhes que podem perfeitamente passar despercebidos por boa parte dos espectadores. Não estão ali para chamar a atenção. Não são fogos de artifício, mas apenas pequenos indicativos de estilo. O importante é a história, os fatos, as ações que definem o caráter dos personagens.
Por um motivo fortuito, ou sem motivo algum, o destino do garoto cruza com o de Samantha
Cyril (Thomas Doret, um absoluto espanto), o garoto do título, o protagonista, tem aí uns 12 anos, talvez um pouquinho menos. Vive num internato, e quer porque quer ter notícias do pai, e pegar com o pai a sua bicicleta. Na primeira sequência do filme, está ligando com insistência para o número de telefone que era do apartamento do pai, e não se conforma com a resposta automática de que o número não está disponível. Simplesmente não se conforma: insiste, quer ligar de novo, até que o pai finalmente atenda.
Os funcionários do lugar – só um pouco mais tarde o espectador fica sabendo que é um internato, e não alguma instituição que retenha menores infratores ou problemáticos à força – têm uma imensa paciência com Cyril, mas o menino é duro na queda. É obstinado, firme, e não acredita no que os outros lhe dizem: quer conferir por conta própria. Um persistente São Tomé. Tenta fugir, tenta fugir de novo, e foge. Consegue ir até o prédio onde o pai morava. À afirmação repetida pelo síndico de que o pai não mora mais lá, Cyril responde com a mesma atitude: não acredita, quer ver com seus próprios olhos.
Por um motivo fortuito, uma fatalidade, uma coincidência, ou sem motivo algum, Cyril, garoto abandonado, a mais profunda solidão, a mais virulenta rebeldia em pessoa, acaba se aproximando de uma jovem mulher que, por puro acaso, é dona de um gigantesco coração, e que se apiada dele. A jovem, Samantha (o papel da sempre ótima Cécile De France), acaba se dispondo a servir como tutora, guardiã do garoto nos fins de semana.
Mas Cyril não é nada fácil. Muito ao contrário. É arisco, independente, determinado demais, nada afeito a compromissos, acordos. Não cede jamais. E, sempre que se sente acuado, é violento.
Eu, no lugar de Samantha, teria desistido no primeiro final de semana. Não conheço ninguém que teria aturado Cyril por mais de dois fins de semana. O Jó da Bíblia, com sua bíblica paciência, teria desistido talvez no terceiro.
Mas Samantha é o altruísmo em forma de mulher.
O tema de fundo, me parece, é este: há pessoas que não deveriam jamais ter filhos
O tema de fundo de O Garoto da Bicicleta é basicamente o mesmo de um filme francês feito dois anos antes, Feliz que Minha Mãe Esteja Viva/Je Suis Heureux que Ma Mère Soit Vivante. Esse filme, de autoria de Claude Miller a quatro mãos com seu filho Nathan Miller, por sua vez, baseou-se em um episódio real, um fait divers, uma dessas tristes tragédias familiares sobre as quais a gente lê nos jornais. É um belo filme, assim como este aqui dos irmãos Dardennes.

São insondáveis os motivos pelos quais, de dois ótimos filmes abordando o mesmo tema, um acaba se tornando bem-amado de todos os críticos de cinema do mundo, e outro passa praticamente em brancas nuvens. Como os motivos são insondáveis mesmo, vamos em frente.
Tanto Feliz que Minha Mãe… quanto O Garoto da Bicicleta – dois filmes falados na mesma língua, feitos com um intervalo de apenas dois anos – tratam dessa realidade trágica que é a seguinte: há pessoas que não deveriam jamais ter filhos, e mesmo assim têm. Na minha opinião, essas pessoas são criminosas – no mínimo, no mínimo, tão criminosas quanto um sujeito que enche a cara, pega o carro e mata um desconhecido que não tinha nada a ver com a bebedeira dele.
Quando escrevi sobre Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, uns dois meses antes de ver O Garoto da Bicicleta, transcrevi uma anotação que fiz, algum tempo atrás – em 1995, para ser preciso. Era o início do que poderia vir a ser um artigo, uma tese – se eu tivesse fôlego, disciplina, gás, para tanto.
Assim como o filme dos Millers, pai e filho, este filme dos irmãos Dardenne dá razão ao início de anotação que fiz em 1995, e por isso a transcrevo de novo aqui:
Os dogmas religiosos e a biologia que me perdoem, mas a lógica humana indica que Deus (ou a natureza, para quem não acredita em Deus) errou profundamente. Nenhum homem ou mulher deveria ter a capacidade de ser pai ou mãe — até prova em contrário. Ser pai ou mãe não deveria ser uma obrigação decorrente da biologia, deveria ser uma opção. Mais ainda: para permitir que alguém decidisse ser pai ou mãe deveria haver vestibular. Só poderia ter filhos quem passasse em concurso. Concurso sério, com prova de títulos e de conhecimento, e com banca examinadora exigente.
Cabeça dura, teimoso como uma mula, Cyril desperdiçará sorte após sorte
A questão é que Deus errou, ou a natureza errou, e estão aí no mundo, aos montes, seres filhos de pais ausentes, inexistentes. E aí, o que fazer com eles?
Não existe, evidentemente, uma resposta fácil. Nunca haverá. O que o filme dos Dardennes parece mostrar é que Cyril, se teve a infelicidade imensa de nascer daquele pai absolutamente desnaturado (não se fala, em momento algum, da mãe; é como se ela não existisse), teve, por outro lado, a imensa sorte de existir na Bélgica, onde o Estado cuidou dele – e bem melhor do que o pai cuidaria. E ainda teve outra sorte grande, a de, por um motivo qualquer, ou sem motivo algum, ter esbarrado na vida com uma pessoa de coração gigantesco, que o acolheu.
Cabeça dura, teimoso feito uma mula, Cyril desperdiçará sorte após sorte, até começar a aprender alguma coisa na vida. O reencontro final com o livreiro e seu filho será outro puro acaso, assim como havia sido o encontro com Samantha. Será uma gigantesca ironia – uma ironia que o espectador poderá guardar para sempre como lição, mas que ele próprio, Cyril, desconhecerá.
Ao fim e ao cabo, o que os Dardennes terminam mostrando, na minha opinião, é isso mesmo: que a vida é uma série de eventos casuais, que podem resultar em algo proveitoso – ou não. Sabe-se lá. Tudo é sorte (ou azar), acaso, loteria.
O que o filme mostra também – propositadamente, ou não – é, como Mary bem notou, que o grande culpado, o verdadeiro criminoso, o pai que teve o filho (na foto abaixo) e não soube o que fazer com isso, esse não paga nada pelo seu erro, seu crime.
O Estado não pode obrigar um pai a amar o filho – mas pode, no mínimo, exigir que ele o sustente
Por uma imensa coincidência, no mesmo dia em que vimos O Garoto da Bicicleta, o jurista Miguel Reale Júnior publicou um fascinante artigo no Estadão a respeito de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça dando ganho de causa a filhos que entraram na Justiça requerendo compensação financeira dos pais que não lhes deram carinho. Todas as pessoas que se interessam por essa questão pais e filhos deveriam ler o artigo de Reale Júnior.
Tomo a liberdade de transcrever alguns trechos:
“Se o dever não decorre da lei, mas de juízo moral, inexiste pretensão juridicamente assegurada, pois não há direito subjetivo ao afeto, transformando-se o amor em dever jurídico. Se era incabível requerer judicialmente, quando criança, que o pai lhe dedicasse afeto, como depois transformar a ausência desse afeto em indenização monetária? Mistura-se o moralmente reprovável com o juridicamente exigível, quando apenas cabe indenização por descumprimento de dever jurídico. Pode ser censurável não ter afeto pelo filho, mas tal não constitui falta de cuidado legalmente estatuído e a lei jamais poderia impor a efetividade de carinho paterno. (…)
“Cuidar de criança ou adolescente é um dever, mas dentro de quais limites legais? O Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem que cumpre aos pais prover alimentos: nutrição, saúde, habitação e educação. No Código Penal estatui-se ser crime o abandono material e intelectual consistente em deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do filho ou sua instrução. No campo do direito não se confunde cuidado com cuidar afetivamente.
“Dar afeto ou cuidar afetivamente – ser conselheiro, amigo, garantir equilíbrio emocional e inserção social – não constitui um dever jurídico, a não ser que se queira instituir a hipocrisia por força de lei. (…) Pretender colocar o Estado a ditar o sentimento do afeto é um autoritarismo paternalista inaceitável. Com clareza assinalou a jornalista Eliane Brum não caber a nenhum tribunal analisar ‘sentimentos’ e desferir punições pela ausência ou excesso de ‘sentimentos’.
“A decisão é preocupante exemplo de mercantilização das relações afetivas, com o risco de incompatibilidades naturais gerarem mágoa e, depois, a ação indenizatória como represália. Grave é o Estado assumir o papel de grande tutor, para suprir o desamor, impondo compensação em dinheiro, que algumas vezes pode apenas ter gosto de vingança.”
Há uma tendência de botar o Estado onde ele não deveria estar
Na minha opinião, o jurista está coberto de razão. Não cabe ao Estado tratar da questão afeto ou falta de afeto entre pais e filhos. Entre ninguém, na verdade. Afeto não é questão de Estado.
Na verdade, andam – especialmente aqui neste fim de mundo, nesta América Latina que insiste em ser Latrina, que caminha no século XXI celeremente rumo a 1917, sem ter aprendido nada ao longo do trajeto – botando o Estado onde ele não deveria existir. O Estado não deveria interferir em questões de foro íntimo das pessoas, como, por exemplo, a decisão de interromper uma gravidez ou o prolongamento artificial da vida de doente desenganado. Mas, ao contrário, cada vez botam o Estado na vida íntima das pessoas. Até na palmada de um pai amoroso na bunda do filho estão metendo o Estado.
Mas prover o sustento – isso é obrigação do pai. No mínimo isso. Nem isso o pai de Cyril faz, e o Estado não o cobra por não cumprir sua obrigação mínima. O Estado acaba tomando para si a obrigação que era do pai. Aí é um absurdo, a total falta de lógica, de senso.
Que achado foi o dos irmãos Dardennes, esse menino Thomas Doret
Pode parecer estranho a algumas pessoas trazer essas considerações para dentro de uma anotação sobre um filme – mas o filme suscita essas questões. Se a partir de temas que um filme levanta a gente não pensar na realidade que nos cerca, então para que serve o filme ter levantado esses temas?
Bem, quanto ao filme especificamente, o ponto mais importante, na minha opinião, é o seguinte: que achado foi o dos irmãos Dardennes, esse menino Thomas Doret! Meu Deus do céu e também da terra, que atuação magistral!
Os Dardennes não costumam trabalhar com atores de renome. Aparentemente, a presença de Cécile De France no filme foi uma exceção dentro da filmografia deles. E Cécile De France (ela é belga, apesar do nome, e de ter se estabelecido como uma das melhores atrizes de sua geração no cinema francês) está muitíssimo bem, como sempre – assim como estão bem todos os atores que aparecem na tela, por menor que sejam seus papéis. Mas não é dela que trata o filme. Samantha, seu personagem, é importante, sim, é fundamental – ela é o contraponto a tudo que há de ruim no mundo, do pai imbecil, criminoso (interpretado por Jérémie Renier), ao melífluo Wes (na foto acima), o jovem que atrai Cyril para a delinquência. Mas os Dardennes não parecem interessados em traçar o perfil de Samantha – não sabemos quem ela é, o que pensa, o que havia feito antes na vida, por que resolveu dedicar seus fins de semana àquele garoto fechado em si mesmo, fechado em copas, tatu-bola.
O filme parece só querer mostrar que existem no mundo algumas poucas pessoas de bem.
Tudo fica centrado em Cyril-Thomas Doret.
Em uma entrevista à revista da 2001 Vídeo (para a qual me chamou a atenção a Cláudia Maria de Oliveira), Jean-Pierre Dardenne contou como ele e o irmão Luc chegaram a Thomas Doret: “Fizemos testes com diversos atores para achar aquele que seria o protagonista. Thomas foi o quinto garoto do primeiro dia de testes. Todos os garotos interpretavam a primeira cena do filme (de uma maneira mais simplificada, claro. Quando vimos a atuação de Thomas falando ao telefone, soubemos imediatamente que ele seria o protagonista. Ele demonstrou uma força e uma sensibilidade que nos impressionaram.”
Deram muita sorte, os Dardennes. Esse garoto tem uma interpretação impressionante. Dificilmente quem viu O Garoto da Bicicleta se esquecerá dele.
Cyril me fez lembrar do Antoine Doinel de Os Incompreendidos/Les Quatre-Cents Coups, o primeiro longa-metragem de François Truffaut, de 1959. Antoine Doinel – muito evidentemente o alter-ego do próprio realizador – era um jovem que parecia fadado à delinqüência. Como seu alter-ego, acabou escapando dela; cresceu, teve dissabores afetivos, mas salvou-se do pior.
Sei lá como Truffaut chegou a Jean-Pierre Léaud. Isso está fartamente documentado, com toda a certeza – mas não é o caso de ir aos alfarrábios ali ao lado. Léaud, nascido em 1944, penúltimo ano da Guerra, encarnou Antoine Doinel pela primeira vez quando estava com 15 anos de idade. Antoine Doinel foi seu melhor papel na vida, ao longo de vários filmes, mas ele teve muitos outros – o IMDb registra 88 títulos em sua filmografia.
Não dá para saber se Thomas Doret fará mais filmes na vida. Fernando Ramos da Silva, o garoto que Hector Babenco escolheu para fazer Pixote, acabaria tendo uma vida trágica como a de seu personagem. Walter Salles, com toda sua consciência social, procurou dar a Vinícius de Oliveira, o garoto escolhido para o papel principal de Central do Brasil, garantias de oportunidade de estudo, e o fato é que Vinícius voltou a fazer filmes – já tem nove títulos no currículo.
O Josué de Vinícius de Oliveira e o Pixote de Fernando Ramos da Silva produtos de famílias problemáticas, mas, sobretudo, resultam de uma imensa miséria. Antoine Doinel e Cyril, europeus, de países ricos, de ampla rede de proteção social aos mais pobres, são mais claramente o resultado apenas de tragédias familiares.
E, se formos comparar os trajetos de Antoine Doinel e de Cyril, é fácil ver que, do final dos anos 1950 para estes anos 2010, os apelos à delinquência, a facilidade de se atrair crianças perdidas para a delinquência aumentaram em progressão geométrica. O mundo ficou muito mais cruel, muito mais violento.
Mas, de novo, se formos nos concentrar apenas no filme, o fato é o seguinte: esse garoto Thomas Doret teve uma interpretação impressionante, marcante, indelével, inesquecível. Pode não fazer mais nada diante de uma câmara, mas já pertence à História do cinema.

Inquietos / Restless


Nota: ★★★★
Inquietos/Restless, que Gus Van Sant lançou em 2011, tem sido extremamente badalado, incensado. Sinto que estou chovendo no molhado, no encharcado, mas repito aqui o que muita gente já disse antes de mim, e melhor: o filme é uma maravilha.
Sempre se disse que Van Sant é um cineasta que conhece a juventude, que sabe, como poucos, expressar os sentimentos dos muito jovens. É bem verdade. Ele comprova isso mais uma vez, neste filme extraordinário.
Restless é terno, suave, doce, poético, sensibilíssimo, encantador, charmoso, envolvente, tocante, apaixonante.
Fala de perda, dor, doença terminal, morte – da maneira mais terna, suave, doce, que pode haver.
A rigor, meu texto poderia, deveria terminar aqui. Não há muito mais a dizer – até porque já se disse muito sobre o filme.
Tudo o que virá a seguir é chuva no molhado, no encharcado.
Um maravilhoso diretor de atores, um maravilhoso diretor de atores jovens
Como o cara dirige bem seus atores. Que imenso talento, meu Deus do céu e também da terra. Me lembro, por exemplo, de My Own Private Idaho, no Brasil Garotos de Programa. Nunca estiveram melhores que naquele belo filme de 1991 os então bem jovens Keanu Reeves e River Phoenix.
Como o cara sabe dirigir bem atores jovens. Nicole Kidman, Joaquin Phoenix, Casey Affleck eram todos jovens quando Von Sant os dirigiu no ótimo, apavorante Um Sonho Sem Limites/To Die For, de 1995. Matt Damon e Ben Affleck eram jovens quando fizeram Gênio Indomável/Good Will Hunting, de 1997.
A lista poderia continuar quase infinitamente.
Em 2003, Van Sant usou atores praticamente desconhecidos para fazer Elefante, uma obra extraordinária, em que reconstruiu umas dessas tragédias tão comuns de assassinatos em escola americanas – uma evidente citação dos assassinatos de Columbine, mas que poderia ser qualquer uma dessas tragédias envolvendo um espírito perturbado, louco, e uma arma mortal. Obteve do elenco interpretações soberbas.
Que maravilhosas interpretações nos dão Mia Wasikowska e Henry Hopper
Em Restless, teve Mia Wasikowska e Henry Hopper.
Meu Deus do Céu e também da terra, que maravilhosas interpretações esses garotos nos dão.
Mia Wasikowska está explodindo como uma grande estrela. É um daqueles casos em que o talento, a beleza, o charme, vêm acompanhados de muita sorte. Nasceu (em Camberra, Austrália) em 1989, 14 anos depois da minha filha. Já está com 24 títulos na filmografia; foi a Alice no País das Maravilhas no filme de Tim Burton e foi Jane Eyre na 432ª segunda versão do clássico de Charlotte Brontë para o cinema. A personagem título do livro de Lewis Carroll, a personagem título do livro de Charlotte Brontë.
Não vi ainda essa 432ª versão de Jane Eyre, mas vi a Alice de Tim Burton, e também Minhas Mães e Meus Pais/The Kids are All Right, e posso dizer: a menina é coisa séria. Seriíssima.
Ela é boa parte do encanto, do charme fascinante do filme.
Sobre Henry Hopper, no entanto, eu não sabia nada.
É um menino bonito. Na verdade, bastante bonito. O papel que ele interpreta não é fácil: um adolescente muito pirado, anti-social a não mais poder, tão doido, perdido, que é necrófilo – e o garoto se sai bem, extremamente bem.
No encerramento dos créditos finais, está lá: “Em memória de Dennis Hopper”.
Henry Hopper, Dennis Hopper.
Sim, o menino é filho do cara, conforme qualquer um pode ver no IMDb, conforme acabo de ver.
Nasceu em 1990. Foi filho temporão. O eterno rebelde de Hollywood estava com 54 anos quando Henry Hopper nasceu.
Este aqui foi seu primeiro longa-metragem.
O pai dele deve estar babando, tanto, ou pelo menos quase tanto quanto eu babo toda vez que vejo minha filha.
Henry Hopper brilha.
Numa determinada cena, me peguei pensando que, de uma maneira não propriamente óbvia, ele se parece demais com River Phoenix. Não exatamente por ser parecido, ter traços semelhantes, mas por dar os ares, como dizia minha mãe.
Gus Van Sant achou um garoto que parece River Phoenix. E acontece que o garoto é filho de Dennis Hopper.
Não sei se o garoto vai se dar bem na carreira, ou se teve a interpretação magnífica aqui só porque foi dirigido por Gus Van Sant, extraordinário diretor de atores. A ver. Mas que ele promete, sem dúvida promete.
Quem diz “não gosto de cinema americano” diz uma frase imbecil, estúpida, idiota
Entre diversas coisas, Gus Van Sant é a prova do que digo sempre: toda vez que alguém disser algo parecido com “não gosto de cinema americano”, esse alguém está falando uma frase imbecil, estúpida, idiota.
Existem muitos, múltiplos tipos de cinemas feitos nos Estados Unidos. Produz-se lá uma grande quantidade de filmes ruins. Mas vários deles são muito bons.
O cinema de Gus Van Sant é dos melhores que há.
A trilha, Ron Howard e sua filha, a filha de Sissy Spacek
A trilha sonora de Restless é de Danny Elfman. Apesar de Elfman ser da minha geração (nasceu em 1953, em Los Angeles), só vim a conhecê-lo por indicação de Carlos Bêla, garoto de talento multidisciplinar, designer gráfico de gabarito internacional, músico, compositor, expert em vários gêneros musicais mas com um pé firme na vanguarda, no alternativo. (Nas horas vagas, cria sites, como este aqui.)
Carlos conheceu Elfman desde seus tempos na banda de rock Oingo Boingo. Dali Elfman foi para as trilhas sonoras. Fez a música de vários filmes do neo-gótico-surrealista Tim Burton. Está para Tim Burton como Nino Rota está para Fellini, ou Bernard Herrmann para Hitchcock, ou Georges Delerue para Truffaut.
Mas ele não faz apenas a música dos filmes de Tim Burton. Trabalha feito um louco. São dele, por exemplo, as trilhas da série MIB – Men In Black, competentíssimas. As trilhas de Elfman em geral são grandiosas, poderosas, possantes – com um subtom de humor, de malandragem.
Pois aqui, neste filme terno, suave, em tom menor, Elfman compôs uma trilha exatamente assim: terna, suave, em tom menor. Minimalista, quase. Uma beleza, um brilho.
Ron Howard, ator infantil prodígio, hoje veterano faz-tudo no cinemão comercial americano, e sua filha, a talentosíssima Bryce Dallas Howard, são alguns dos produtores executivos do filme.
Schuyler Fisk, uma bela mulher, que faz o papel de irmã mais velha de Annabel, o personagem de Mia Wasikowska, é filha de Sissy Spacek. Que coisa: a gente vai tendo os filhos e eles crescem e aparecem… É também cantora e compositora, essa garota de nome esquisito (alô, Sissy, por que não Mary, Rose, Katharine?), filha da atriz fantástica que interpretou a cantora country Loretta Lynn (e ganhou um Oscar por isso) em 1981, em O Destino Mudou Sua Vida/Coal Miner’s Daughter, entre tantos belos filmes.
A palavra restless
Uma observaçãozinha talvez boba, mas de uma pessoa que gosta das palavras. Restless, a palavra do título original, é uma beleza. Tem sonoridade forte, e dá a sensação de uma coisa muito mais ampla do que o adjetivo inquieto. O dicionário inglês-português que mais uso dá para restless os adjetivos inquieto, intranquilo, irrequieto, impaciente, descontente. Pois é: restless é tudo isso – e não apenas inquieto. Há palavras em inglês (como também em português, em qualquer língua) que são mais expressivas que sua tradução. Restless é um caso típico.
Vejo no meu Longman uma definição fascinante: “sem vontade ou incapaz de permanecer quieto, especialmente por causa de ansiedade ou falta de interesse”. Beleza de forma de definir o que a palavra quer dizer.
Talento, ah, o talento
Informação do IMDB: foi o primeiro roteiro de Jason Lew. Ele e Bryce Dallas Howard foram colegas na New York University, e foi lá que que Jason Lew escreveu a história, na forma de uma peça de teatro. A bela Bryce, que atuou no teatro ao lado de Lew, o incentivou a transformar sua peça em um roteiro de cinema.
É um nome para se guardar, o desse Jason Lew. É um garoto, como tantos garotos que Gus Van Sant descobre na vida. Não achei a idade dele, nem o local de seu nascimento; é tão novo que não há minibiografia dele no IMDb, nem há verbete sobre ele na Wikipedia em inglês. Pelas fotos, pela cara dele nos especiais que acompanham o filme no DVD, não tem mais de 30 anos. Como Bryce Dallas Howard é de 1981 e foi colega dele, dá para imaginar que ele esteja em torno dos 30 anos.
Ah, o talento. Talento é foda.
Que maravilha de história ele soube criar. Que perfeita noção de timing, as revelações vindas, todas elas, no tempo certo, na hora exata. Nada fica solto, sem explicação. Nada sobra, tudo se encaixa com perfeição.
Sobre assim exatamente o que diz, o que é este Restless, falei pouquíssimo, quase nada. Melhor assim, por dois motivos. O primeiro: já se falou demais sobre o filme. O segundo: o que se disser sobre a trama atrapalhará o prazer de se ver Restless.
E Restless é extraordinário.
Quantos filmes existem por aí que falam de perda, dor, doença terminal, morte, do jeito mais terno, suave, doce, que pode haver?

Margin Call – O Dia Antes do Fim / Margin Call


Nota: ★★★☆
Margin Call – O Dia Antes do Fim, sobre a gigantesca crise financeira que explodiu em setembro de 2008, é um filme com diversas características bem fascinantes. Por exemplo: é uma produção independente, feita à margem dos grandes estúdios – mas tem grandes nomes no elenco.
Grandes nomes: Kevin Spacey, Jeremy Irons, Demi Moore, Stanley Tucci, Paul Bettany. No entanto, o personagem que mais se destaca é interpretado por um garotão pouco conhecido e de nome esquisito, Zachary Quinto.
É o primeiro longa-metragem do diretor, J.C.Chandor, que também criou o argumento e o roteiro. No entanto, apesar de estreante no longa-metragem, Chandor, com 15 anos de experiência no cinema publicitário e em documentários, fez um filme de narrativa sóbria, clássica, quase “acadêmica”, a designação usada por 11 entre 10 críticos de cinema para falar mal de uma obra. Não há criativol algum – passa-se longe de quaisquer fogos de artifício.
Mais ainda: ao contrário de tantos filmes recentes, a narrativa não tem um ritmo frenético, aquela estética pós-MTV, com tomadas rápidas, montagem acelerada, mais informação por segundo do que a mente humana pode captar. O filme passa ao largo daquilo que chamo de qual Podendo-Complicar-a-Narrativa,-Por-que-Simplificar? O ritmo do filme chega até a ser um pouco suave, lento, em comparação com boa parte do que se faz atualmente.
Um filme virulento, forte – mas o tom não é estridente
É um filme virulentamente anti-capitalismo, ou, no mínimo, anti o tipo de capitalismo selvagem que se pratica em Wall Street e na City londrina desde, pelo menos, os anos Reagan e Thatcher, em que as grandes corporações financeiras fazem o que bem entendem, sem regras ou regulamentos, criam artifícios para produzir lucros anormais, e pagam salários e gratificações absurdos, irreais, distantes anos-luz da economia real.
É virulento. Tem uma octanagem altíssima – e, nesse aspecto, faz lembrar alguns outros panfletos recentes contra as mazelas do capitalismo, O Corte/Le Couperet, de Costa-Gavras, O Que Você Faria/El Método, de Marcelo Piñero, Segunda-feira ao Sol/Lunes al Sol, de Fernando Leon de Aranoa. E, no entanto, o tom do filme não é estridente. Ele não berra. Mostra as situações quase como se fosse um documentário, uma reconstituição de fatos reais.
Tem um tom quase de documentário, de reconstituição de fatos reais. No entanto, ao contrário de Grande Demais Para Quebrar, outra produção independente recente sobre exatamente o mesmo tema, é uma obra de ficção.
Grande Demais Para Quebrar põe em cena alguns dos personagens principais da explosão da crise: o então secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, o presidente de Federal Reserve, o banco central americano, Ben Bernanke, o presidente, CEO, do Lehman Brothers, Richard Fuld, o multimilionário e investidor Warren Buffett, entre outros. Os personagens reais aparecem lá com seus nomes reais; toda a narrativa pretende reconstituir situações e fatos tal qual aconteceram.
Ótimo filme, dirigido pelo experiente, tarimbado, talentoso Curtis Hanson, Grande Demais Para Quebrar despeja sobre o espectador várias toneladas de informações nos seus primeiros minutos – através de noticiário da TV, fala-se dos antecedentes da crise, a bolha imobiliária no mercado americano, o aumento desenfreado dos preços dos imóveis, as jogadas dos bancos de investimento com os papéis das hipotecas imobiliárias, os lucros gigantescos – até que, finalmente, em setembro, a bolha estourou, com a virtual falência de uma das maiores instituições bancárias dos Estados Unidos e do mundo, o Lehman Brothers.

O que se mostra é um banco como o Lehman Brothers – mas o filme não dá nome aos bois
Este Margin Call trata exatamente do mesmo tema, mas de maneira bem diferente. Completamente diferente.
É ficção. Não traz, hora nenhuma, aquela frase que atrai muitos espectadores, “Baseado em uma história real”. Vejo que um dos cartazes para a divulgação do filme traz a frase prima dessa aí, “Inspired by a true story”.
Poderia perfeitamente ter usado isso nos créditos iniciais, ou nos créditos finais. Porque é, sim, evidentemente, inspirado numa história real. Quando um filme se define como inspirado numa história real, está subentendido que o roteirista tomou liberdades, licenças poéticas – trocou nomes, substituiu um personagem por outro, mas, basicamente, fez uma ficção em cima de fatos reais.
O diretor e roteirista J.C.Chandor tomou o cuidado de não dar nome aos bois. Mostra uma grande instituição financeira de Wall Street, descreve as 36 horas vividas dentro dela antes da eclosão da grande crise, da exposição de sua situação pré-falimentar – mas não dá o nome da instituição. Poderia ter inventado um nome, mas preferiu optar pela ausência de nomes.
Teve, então, a liberdade de criar seus personagens, suas situações. Mas qualquer pessoa com um mínimo de informação sabe que se trata do Lehman Brothers. Ou um banco como o Lehman Brothers, cuja falência, em setembro de 2008, colocou o sistema financeiro à beira do que se costuma chamar de crise sistêmica – aquela em que a quebra de um banco leva à queda de outros, como peças de dominó.
Tendo tomado o cuidado de não dar nome ao banco que era grande demais para quebrar mas quebrou, Chandor não foi nada sutil ao criar o personagem do CEO da sua instituição financeira teoricamente (e só teoricamente) fictícia: o CEO, que chega de helicóptero na madrugada ao gigantesco prédio do banco, na pele do inglês Jeremy Irons, chama-se John Tuld. O CEO do Lehman’s, é bom repetir, chamava-se Richard Fuld. Chandor-Hortelino trocou uma letra só do sobrenome.
Um exército de Recursos Humanos chega para cortar cabeças
O filme abre com um exército de funcionários entrando em um dos andares do prédio da instituição financeira, o andar em que trabalham traders, corretores, e o pessoal da área de fiscalização de risco. O exército que chega atrai as atenções de todos, é claro, mas a ordem é que se tente ignorar a invasão e se continue a trabalhar normalmente – como se isso fosse possível.
Cheguei a pensar que fossem agentes federais, gente da SEC, a versão americana da CVM, Comissão de Valores Mobiliários, guardados talvez por gente do FBI. Mas o filme rapidamente mostra que o exército que invade aquele andar do prédio é gente do RH. Está ali para cortar cabeças.
Dois rapazes, bem jovens, são mostrados pela câmara. O mais alto, compridão, chama-se Peter Sullivan (o papel de Zachary Quinto), na firma há alguns poucos anos; o mais baixo é Seth Bregman (Penn Badgley, os dois na foto acima), um corretor júnior. Temem, é claro, que suas cabeças rolem. Mas a cabeça que veremos rolar é a do chefe dos dois, Eric Dale (o papel do sempre bom Stanley Tucci, que aqui está brilhante).
Eric Dale está na empresa há 19 anos. Sua decapitação vai durar menos de três minutos.
Duas moças entram na sala dele e pedem para que ele as acompanhe até uma outra sala. Dão o recado de forma rápida, sintética, brutal: a firma oferece a ele o pagamento de meio salário durante os seis meses seguintes; ele tem até o final da tarde seguinte para aceitar esse acordo, ou então a oferta deixará de existir; seu telefone celular e seu acesso ao computador e a qualquer outro bem da empresa estão cortados a partir daquele momento.
Eric Dale diz que estava naquele momento trabalhando em um documento importante – seria possível concluir o trabalho?
Não. Aquele funcionário ali vai acompanhar o senhor até sua sala, para que retire seus objetos pessoais, e em seguida vai levá-lo até a saída do prédio.
Antes de ser escoltado até a calçado do prédio, no entanto, Eric Bale consegue passar para Peter Sullivan, o jovem compridão, um pen-drive, com o material em que estava trabalhando. Diz para Peter, até minutos atrás seu funcionário, seu subalterno: – “Tome cuidado”.
E em seguida é botado no olho da rua.
O alerta vai sendo passado de chefe para o chefe do chefe, para o chefe do chefe do chefe
Depois do fim do expediente daquele dia, Peter Sullivan permanece na sua estação de trabalho examinando o que seu antigo chefe havia deixado para ele. Depois das 10 horas da noite, liga para seu colega Seth, que estava num bar enchendo a cara com a pessoa que passara a ser o superior imediato dos dois, Will Emerson (Paul Bettany). Convence os dois a voltarem para o escritório.
Embora já de cara um tanto cheia, Will percebe a gravidade do que Peter mostra para ele. Liga para seu superior, Sam Rogers (Kevin Spacey, na foto). Este, por sua vez, ligará depois para o superior dele, Jared Cohen (Simon Baker). Este chamará outro chefão, no caso uma chefona, Sarah Robertson (Demi Moore). E já no início da madrugada, de helicóptero, chegará o presidente do banco, o CEO, o chefão, John Tuld, o papel de Jeremy Irons.
Numa grande sala de reuniões agora apinhada de gente, o chefão John Tuld pedirá ao rapaz Sullivan que explique o que foi exatamente que ele descobriu. E sugere que ele fale de uma maneira bem explicada, como se estivesse falando para uma criança pequena, ou um cachorro.
A explicação de Sullivan, embora o patrão tenha exigido que fosse clara, inteligível por uma criança pequena, vem, mesmo assim, em economês. Ou melhor, numa sublíngua do economês, o financeirês, ou Wallstreetês.
Mas qualquer espectador poderá inferir, a partir daquele jargão, o que aconteceu: a bolha estourou.
Ou então, se se preferir, em uma linguagem mais franca: fodeu.
Todo mundo, literalmente, se deu mal – menos os grandes bancos
O que este belo filme mostrará, no entanto – exatamente como o fez Grande Demais para Quebrar –, é que fodeu para todo o mundo, literalmente, menos para os grandes bancos.
A partir da explosão da bolha especulativa que começou com as hipotecas de imóveis americanos, os países mais desenvolvidos do mundo entraram em uma recessão da qual não conseguiram sair até hoje. Se os Estados Unidos começavam a dar, neste início de 2012, sinais de pequena melhoria, a Europa afundava-se cada vez mais na recessão. Milhões de empregos na economia real foram cortados. Mas os grandes bancos, que deram origem à farra, não se deram mal. Continuaram pagando fortunas absurdas para seus diretores. E, apesar da oportunidade perfeita, nenhuma regra, nenhuma regulamentação importante foi adotada pelos países mais ricos para restringir a área de manobra do sistema financeiro.
Um roteiro com bons personagens, convincentes, bem estruturados
O roteirista e diretor Chandor conseguiu criar bons personagens. O retrato que faz de Sam Rogers, o chefe do andar daqueles traders, é convincente, assim como o de Eric Dale – e as interpretações de Kevin Spacey e Stanley Tucci, dois grandes atores, são excelentes.
Mas talvez o personagem mais emblemático seja o do garotinho Seth Bregman, o corretor júnior interpretado por Penn Badgley. O banco está desabando, o mundo está prestes a desabar, e Seth Bregman passa o filme inteiro, as 36 horas cruciais antes do fim, interessado em saber quanto cada um deles ganha anualmente. Se ele, um júnior, havia ganho, no ano anterior, US$ 450 mil, quanto ganharia seu chefe?, pergunta ele. E quanto ganharia o chefe de seu chefe? E o chefe do chefe de seu chefe?
O roteiro original do filme foi um dos cinco indicados ao Oscar de 2012. O filme teve outros oito prêmios e 12 indicações.
Está explicado: o pai do diretor trabalhou por mais de 30 anos na Merrill Lynch
Uma pequena informação no IMDb ajuda bastante a compreender este belo filme, a compreender como um roteirista e diretor estreante soube fazer esse retrato impressionante de Wall Street. O pai de J.C.Chandor trabalhou por mais de 30 anos na Merrill Lynch.
O rapaz sabe do que está falando. Por isso conseguiu fazer um filme tão bom. Margin Call – O Dia Antes do Fim é uma porrada. Uma porrada forte