sexta-feira, 22 de junho de 2012

Filmes para completar sua coleção I

Cavalo de Guerra / War Horse






Nota: ★★★☆
Será que vou ter coragem de dizer? Vamos lá: Cavalo de Guerra é inacreditavelmente sentimentalóide, piegas. E no entanto é um brilho de filme.

Só mesmo Steven Spielberg, mago, gênio, poderia fazer um filme assim.
Confesso que estava com uma certa preguiça. Um filme sobre um cavalo? Um cavalo como personagem principal, como protagonista? Um cavalo heróico?
Mas como não ver um Spielberg, novinho em folha? E então disse pra Mary: então tá, vamos ver o cavalinho do Spielberg.
É piegas desde o começo, o rapazinho filho do fazendeiro pobre acompanhando com o olhar embevecido o potrinho crescendo, cavalgando, brincando sob a companhia protetora da mãe.
O rapazinho, Albert (Jeremy Irvine, na foto), será o segundo personagem principal da história, o segundo herói. O primeiro, naturalmente, é o cavalo.
E aí o pai de Albert, Ted Narracott (Peter Mullan), enfrenta o malvado proprietário das terras em que vive e trabalha, Lyons (David Thewlis), no leilão em que o cavalo é vendido. Ted Narracott bebe um gole a cada lance do leilão, mas consegue derrotar seu locador, e carrega para a fazenda o belíssimo animal. Leva um danado de um esporro da mulher, Rosie (a maravilhosa Emily Watson), que argumenta que aquele bicho não serviria para arar a terra pobre e cheia de pedras. Mas Albert intervém, diz que treinará o cavalo, logo batizado por ele de Joey.
A seqüência em que toda a aldeia se ajunta em torno do terreno ruim de Ted Narracott para acompanhar a tentativa de jovem Albert de domar o bravo Joey e transformá-lo em burro de carga carregando o arado roça o risível, o ridículo.
Haverá ainda muita coisa beirando o risível, o ridículo, na história de Joey, o cavalo heróico – mas como resistir à câmara de Steven Spielberg e seu fiel diretor de fotografia Janusz Kaminski? Como resistir àqueles planos gerais da belíssima paisagem do interior inglês, a câmara sempre andando suavemente em cima de uma grua?
Quando chega a primeira batalha dos elegantes soldados ingleses, na França de 1914, contra os aparentemente despreparados e pegos de surpresa homens do Kaiser – começando com um plano geral de um lindíssimo campo de trigo, de onde assomam os cavaleiros ao montarem em seus belos animais –, aí a mágica de Spielberg já tomou conta.
O sentimentalismo excessivo, a pieguice continuarão firmes. Mas elas que se danem. Meu Deus do céu e também da terra, quantas tomadas maravilhosas, quantas seqüências brilhantes, extraordinárias, de uma beleza fenomenal, deslumbrante!
Algumas das mais memoráveis seqüências de batalha da história do cinema
Em algumas cenas de batalhas – das mais memoráveis cenas de batalha de toda a história do cinema, realçadas ainda por um sensacional, requintadíssimo trabalho dos engenheiros de som –, me peguei pensando: cacete, o cara consegue se suplantar! São sequências tão maravilhosas, tão perfeitas, tão impressionantes quanto as que ele havia feito no início de O Resgate do Soldado Ryan! E, ao ver O Soldado Ryan (preciso rever o filme!), a gente tem certeza de nunca mais ninguém vai fazer cenas de batalha tão extraordinárias.
Pois Spielberg faz. Spielberg se suplanta.
Não há como não lembrar de Feliz Natal, o belo manifesto pacifista de Christian Carion, de 2005, na sequência na Terra de Ninguém, a no man’s land, o espaço entre as trincheiras alemãs e aliadas, que vem depois de uma outra sequência especialmente brilhante, a fuga de Joey, sua cavalgada pelas trincheiras. Claro, Feliz Natal veio antes – mas o que Spielberg fez é belo, tocante, emocionante.
Também não dá, nessa sequência, para não lembrar de “No Man’s Land”, a canção forte, inesquecível, de Eric Bogle.
E, no final, com aquele céu vermelho forte, a lembrança de … E o Vento Levou é inevitável. Mais um toque piegas.
O filme é piegas, sim – e brilhante.
O autor do livro infanto-juvenil que deu origem ao filme aparece em uma seqüência
Cavalo de Guerra teve seis indicações ao Oscar: melhor filme, melhor trilha sonora, melhor fotografia, melhor direção de arte, melhor som e melhor mixagem de som. Não levou nenhum. Teve o prêmio de Filme do Ano do American Film Institute, concorreu a cinco Baftas. Ao todo, teve seis prêmios e 45 indicações.
Foi, é claro, uma produção cara – custou cerca de US$ 66 milhões. Os produtores empregaram 5.800 pessoas, entre extras e pessoal das equipes técnicas. Até abril de 2011, tinha rendido US$ 177 milhões.

Algumas informações do IMDb:
O filme se baseia num livro infanto-juvenil de mesmo nome, escrito por Michael Morpurgo, lançado na Inglaterra em 1982. Em 2007, o livro foi adaptado para o teatro, e fez grande sucesso tanto no West End de Londres quanto na Broadway de Nova York.
Morpurgo, o autor, tem uma pequenina participação especial no filme, à la Hitchcock. Ele está de pé ao lado de David Thewlis na cena do leilão no começo da narrativa.
Também faz uma ponta a neta do capitão Budgett, um dos veteranos da Primeira Guerra Mundial que inspiraram Morpurgo a escrever seu livro.
Foi o primeiro filme de Spielberg montado digitalmente. O montador Michael Kahn, que trabalhou com o cineasta em quase todos os filmes dele, sempre usava a velha Moviola – mas, desta vez, rendeu-se à computação.
Catorze cavalos foram filmados no papel de Joey. O principal deles, o mais utilizado, Finder, apareceu também em Seabiscuit – Alma de Herói, de 2003.
Foi a primeira obra sobre cavalos a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme em oito anos; o anterior havia sido exatamente Seabiscuit.
Esse cavalo Finder ainda acaba recebendo um Oscar honorário…


Salt

Nota: ★½☆☆
Anotação em 2011: Salt, produção cara com direção do australiano Phillip Noyce, autor de bons filmes, é tão maravilhosamente bem feito, nos quesitos técnicos, quanto estúpido. Agora, para quem gosta de filme de ação, com muito, mas muito tiro, dezenas e dezenas de assassinatos, explosão a dar com o pau e longas seqüências de perseguições de carros e carros se estraçalhando no meio das perseguições, é um prato cheio. Um banquete.
É mais ou menos assim:
Evelyn Salt (Angelina Jolie), mulher belíssima, foi presa na Coréia do Norte como espiã dos imperialistas americanos. É torturada, brutalizada, mas continua dizendo sempre que não é espiã, uma mulher de negócios. O marido dela,
Mike (August Diehl), um dos maiores especialistas em aranhas do mundo (aranhas, o bicho de oito patas, tá?), mexe todos os pauzinhos possíveis e consegue convencer o governo americano a negociar com os norte-coreanos a troca de um prisioneiro deles por Evelyn, e ela é libertada.
Dois anos depois, ela está já de volta à sua rotina, numa empresa que é apenas fachada para agentes da CIA. Trabalha ao lado de um colega, Ted Winter (Liev Schreiber), que foi até a Coréia do Norte para arranjar sua libertação. No dia em que a bela Evelyn quer sair logo para comemorar o aniversário de casamento, surge na empresa fachada da CIA um russo, um tal Orlov (Daniel Olbrychski), que deseja entregar segredos à agência de inteligência americana.
O que o russo entrega à CIA – e também a um alto funcionário do serviço de contra-espionagem, Peabody (Chiwetel Ejiofor) – é o seguinte: em meados dos anos 70, vários garotos e garotas russos passaram por um intenso treinamento para se tornarem agentes soviéticos disfarçados de inocentes cidadãos americanos. O objetivo do programa secreto era preparar aqueles garotos para que, no futuro, executassem uma série de ações que levariam simplesmente à destruição dos Estados Unidos da América.
E ela, Evelyn Salt, agente da CIA, na verdade era um desses agentes soviéticos infiltrados na sociedade americana.
Em vez de contestar a informação dada pelo russo aparecido do nada, em vez de dizer epa, esse cara é louco, o que faz Evelyn Salt? Prepara umas bombas, ali mesmo, no seu local de trabalho, mata uns cinco ou seis e consegue fugir, enganando algumas centenas de agentes, policiais, contra-espiões, o escambau.
Depois de uns 20 minutos de perseguição de carros pelas ruas de Washington, vamos ter que Evelyn Salt vai furar todo o esquema de segurança da presidência dos EUA e atirar no presidente russo Matveyev (Olek Krupa) durante a cerimônia fúnebre pelo vice-presidente americano, numa grande igreja de Nova York.
O assassinato provocaria uma violenta crise nas relações entre EUA e Rússia, mas isso seria só parte do plano e da trama. Ainda haveria uma tentativa de assassinato do próprio presidente americano, em plena Casa Branca, e do início de uma guerra mundial, russos e muçulmanos, contra os Estados Unidos.
Aquela gincana para saber quem consegue exagerar mais
Diante dessa trama, as histórias de 007 passam a ser lógicas, razoáveis, plausíveis, verossímeis.
É aquele concurso, aquela gincana para saber quem consegue exagerar mais, fazer tramas mais loucas, com mais explosões, mais bombas, mais tiros, mais mortes. E dá-lhe trilogia Bourne, dá-lhe Encontro Explosivo, dá-lhe Missão Impossível 1, 2, 3.
O cinemão comercial vai chafurdando cada vez mais fundo na imbecilidade.
Angelina Jolie, essa moça tão bonita, parece estar gostando desses filmes de ação. Fez Lara Croft: Tomb Raider e sua continuação, fez Sr. e Sra. Smith, fez O Procurado. Tá certo que entre uma imbecilidade e outra até que encontrou tempo para fazer O Preço da Coragem e, sobretudo, A Troca, de Clint Eastwood.
Poderia escolher melhor seus filmes, e também se alimentar melhor, a moça. Neste filme aqui, parece uma anoréxica.
Phillip Noyce já fez bom filmes, repito: Terror a Bordo/Dead Calm, de 1989, feito ainda na Austrália, é um ótimo filme de suspense, com um clima de tensão envolvente. Geração Roubada/Rabbit-Proof Fence é uma corajosa denúncia das práticas racistas do governo australiano contra os aborígenes. De novo sobre racismo, Em Nome da Honra/Catch a Fire é um bom filme ambientado na África do Sul do apartheid. Sua refilmagem do livro de Graham Greene O Americano Tranqüilo, de 2002, é uma bela obra, que mistura competentes cenas de ação com cerebrais e sérias considerações políticas.
Tem extrema competência para filmar cenas de ação. Jogos Patrióticos/Patriot Games, baseado em novela de Tom Clancy, é um filme de ação muito melhor que a média do gênero.
Neste Salt, ele demonstra que seu talento de artesão é gigantesco. Mas desta vez ele se esqueceu de botar inteligência no meio.
Um filme com evidente nostalgia dos tempos da guerra fria
Gastaram US$ 110 milhões para fazer o filme. Aparentemente, deu certo: ele já rendeu US$ 293 milhões. Tem muita gente no mundo que adora tiro, explosão e perseguição de carro.
O filme teve uma indicação ao Oscar pela edição de som. De fato, o som do filme é impressionante. Sai tiro por cada uma das seis caixas de som.
Fiquei pensando: Salt. Sim, o sal da terra. Ou SALT – Strategic Arms Limitation Talks, conversações para a limitação de armas estratégicas, que levaram à START, Strategic Arms Reduction Treaty, tratado para redução de armas estratégicas. As conversações começaram em 1969; um tratado foi assinado por Gerald Ford e Leonid Brejnev em 1974.
Certamente devem ter pensado nisso os autores quando resolveram dar esse nome à heroína que às vezes parece estar lutando para que o mundo volte ao tempo da guerra fria.
Como diria o Ancelmo Gois: e isso quer dizer…? nada, coisa nenhuma.


RED – Aposentados e Perigosos / RED


Nota: ★★★☆
Anotação em 2011: Um filme de ação de grande orçamento, com muito, mas muito, mas muito tiro e explosão e assassinato. Personagens que não são seres humanos, gente como a gente – são super-heróis, de deixar Indiana Jones no chinelo. Tudo absolutamente exagerado, o over do over do over. E, no entanto, é um filme gostoso, divertido – e que diz coisas.
Parece impossível, absurdo.
Já desci a lenha aqui em diversos filmes de ação, grandes produções do cinemão comercial, coisas imbecis, gasto de dinheiro à toa. Digo sempre que são cada vez mais raras, nas grandes produções do cinemão comercial, histórias que falem do que realmente interessa, da realidade, de gente como a gente, pessoas comuns.
Pois é. E no entanto, apesar de ter todos esses elementos, este RED – Aposentados e Perigosos é um bom filme, na minha opinião.
O diretor Robert Schwentke, os roteiristas Jon Hoeber e Erich Hoeber e o elenco cheio de grandes nomes (Bruce Willis, Mary-Louise Parker, Helen Mirren, John Malkovich, Morgan Freeman) conseguiram realizar uma façanha dificílima. Fizeram um filme com todos os elementos da pior porcaria que ao mesmo tempo é uma grande gozação desse gênero – e, se o espectador quiser perceber, é também uma crítica ferina à CIA, a agência de inteligência do governo americano, e, por extensão, a toda a gigantesca, inchada, mastodôntica (e, é claro, custosa, biliardária) máquina da segurança do país mais rico do mundo.
E uma das coisas fantásticas que o filme consegue é que é uma grande gozação dos filmes de ação, de seus exageros – mas, equilibrando-se no fio da navalha, tem tudo para agradar às pessoas que gostam desse gênero.
Não é uma gozação escrachada demais, do tipo Apertem os Cintos que o Piloto Sumiu ou Loucademia de Polícia. É uma grande gozação, sim – mas com inteligência, alguma classe, algum refinamento. Não daria para dizer com alguma sutileza, porque aí já seria demais. Mas, sim, com alguma classe, algum refinamento.
Um filme de ação que começa suave, lento
Desde a abertura o diretor Schwentke conseguiu dar o tom. Fiquei fascinado com a abertura, toda em tom menor, como se fosse um filme sério e sensível sobre seres humanos. Passam-se aí uns bons cinco minutos, talvez até mais, em um clima suave, lento, agradável. Vemos o personagem de Bruce Willis, em uma boa casa, em um bairro agradável de Cleveland, no inverno. É um homem solitário, vive absolutamente sozinho em sua casa ampla, mais ampla do que uma única pessoa precisa. Acorda às 6 horas, prepara seu café da manhã, malha, faz exercícios físicos.
O personagem de Bruce Willis – chama-se Frank Moses – então dá uma espiada na correspondência. Pega um envelope do serviço de pensões do governo (os tradutores usaram nas legendas do DVD a sigla “INSS”, o que é risível, ou ridículo, ou os dois), disca um número, pede para falar com uma atendente. Vemos então uma imensa sala de repartição pública. A atendente Sarah (o papel de Mary-Louise Parker) está entretida lendo um livro, e atende ao telefone com aquele ar de funcionário público nada chegado ao trabalho. Mas sua expressão se ilumina quando reconhece a voz. O espectador percebe que os dois volta e meia se falam.
Frank Moses está segurando o cheque da pensão que recebeu pelo correio, mas diz a Sarah que mais uma vez o envelope chegou vazio, sem cheque. Ela promete que vai tomar providências.
Claro: é só uma desculpa para falar com Sarah. Pergunta que livro ela está lendo – ela lê romances baratos de aventuras, espionagem e amor. Ele comprará o livro que ela está lendo para ler também.
Os fãs de filmes de ação a essa altura já devem estar um tanto impacientes: quando é que vão começar os tiros, as porradas, as explosões?
Mais tarde – estamos ainda vendo os créditos iniciais, enquanto a ação vai se desenrolando –, Frank Moses se veste, leva seu lixo para fora e, depois de cumprimentar uma simpática senhora vizinha, percebe, junto com o espectador, a câmara fazendo um giro de 360 graus, que a única casa da rua que não tem enfeites de Natal é a dele.
E então ele retira de algum baú de dentro de sua casa uns enfeites de Natal, um Papai Noel e umas renas, bem bregas, como todos os enfeites de Natal, e os coloca diante de sua casa. Agora ela parece normal.
Sei, mas cadê os tiros?
Pois é – passam-se uns cinco minutos, talvez um pouco mais, e tudo o que a tela mostrou foi a rotina de um sujeito aposentado.
E aí vêm os tiros.
Um grande grupo de homens bem armados como uma equipe da Swat entra na até então pacífica, ordeira, arrumada casa de Frank Moses, no meio da madrugada, para matá-lo. Frank Moses mata vários deles, e foge, enquanto a casa praticamente cai no chão depois de tanto tiro.
RED significa aposentados extremamente perigosos
Frank viaja então de Cleveland até Kansas City, a cidade em que Sarah trabalha. Entra na casa dela – e a rapta, seqüestra, depois de botar uma fita isolante em sua boca. Enquanto dirige rumo a uma terceira cidade, tenta explicar a ela: não gostaria que o primeiro encontro deles fosse assim. Mas está sendo caçado por um grupo grande, poderoso, e a essa altura eles – sejam lá quem forem – já estão sabendo dos telefonemas dos dois, e portanto ela está em perigo também, e é melhor que ele a proteja.
Para resumir um pouco a trama: há uma lista de pessoas que estão condenadas à morte, e Frank está na lista. Além dele, estão também velhos amigos dos tempos em que era um agente da CIA na ativa: Joe (Morgan Freeman) e Marvin (John Malkovich), mais uma repórter do New York Times, e ainda outras pessoas.
A esta altura o filme já revelou o significado da sigla RED do título: são as iniciais de retired, and extremely dangerous. Aposentados e extremamente perigosos.
Não demora muito para que o filme entregue ao espectador: quem está atrás de Frank para matá-lo é a própria CIA. Os motivos só ficarão claros bem mais tarde – quando a trama já terá incluído um ex-agente do governo soviético nos Estados Unidos, Ivan Simanov (Brian Cox), e uma outra ex-agente da CIA, agora dona de um adorável hotelzinho no campo, Victoria (o papel da fantástica Helen Mirren), um executivo de uma gigantesca corporação da área de segurança e armamentos (Richard Dreyfuss) e o próprio vice-presidente dos Estados Unidos (Julian McMahon).
O filme consegue o difícil equilíbrio entre a ação e a gozação
A trama é boa, bem construída, tem lógica. Há umas quatro ou cinco seqüências de ação, espetaculares, muito bem feitas – exageradas, exageradíssimas, é claro, como se exige nos filmes de ação. Numa delas, há até uma citação de Matrix, uma bala que intercepta uma outra bala, em pleno ar. Mas é fantástico como, entre essas seqüências, há momentos mais lentos, sem grandes correrias, atropelos. O diretor Robert Schwentke e os roteiristas de fato conseguiram um difícil equilíbrio entre a ação e os momentos mais lentos, entre a ação e a gozação.
Vai se desenvolvendo de forma gostosa, divertida, a historinha de amor entre o ex-agente da CIA aposentado obrigado a voltar à ativa para defender sua vida e a funcionária de repartição pública fascinada por aventuras nos livros baratos que lê. Mary-Louise Parker, grande atriz, faz carinhas de surpresa com o mundo louco ao qual vai sendo apresentada pelo super-herói – é uma interpretação deliciosa, que já valeria o filme.
Bruce Willis está absolutamente à vontade no papel de sua persona, o Bruce Willis duro de matar. Fala com a voz cada vez mais grave e baixa, quase suave.
Morgan Freeman é sempre um grande prazer de se ver. E como Marvin, o personagem de John Malkovich, é um sujeito inteiramente louco, pirado, paranóico, a teoria da conspiração ambulante, o ator careteiro se dá bem no papel.
A grande Helen Mirren – tirando férias de dramas sérios, parecendo se divertir à beça – constrói uma delícia de personagem, a ex-agente, exímia atiradora, matadora impiedosa agora cuidando dos arranjos de flores de seu agradável hotel.
E ainda tem Rebecca Pidgeon, a senhora David Mamet, ótima atriz, ótima cantora, no papel de uma malvada chefona da CIA, e, numa participação especialíssima, o veterano Ernest Borgnine, inteirão aos 93 anos, como o guardador do arquivo morto (e tão secreto que ele mesmo diz que não existe) da CIA.
No meio de tanto tiro e explosão, diálogos saborosos, hilariantes
Há diálogos saborosos, divertidos, como “a conversa de mulheres”, conforme definição da matadora profissional Victoria. Ela diz para Sarah, a funcionária pública que se meteu na maior aventura de sua vida, que nunca tinha visto Frank daquele jeito. E sintetiza: – “Por isso, não o faça sofrer, ou eu mato você e enterro o corpo no meio do mato”.
Ou o primeiro diálogo entre Frank e Sarah, sobre o livro que ela está lendo naquele momento:
Sarah: – “O título é O Segredo Selvagem do Amor”.
Frank: – “Legal. E é bom?”
Sarah: – “É terrível. Estou amando. É um horror”.
Ou outro diálogo entre Frank e Sarah, fugindo do grupo que está tentando matar o ex-agente e quase pega Sarah com uma injeção de droga:
Frank – “Eu esperava que você agora já compreendesse um pouco melhor a situação.”
Sarah: – “Eu esperava não ser seqüestrada. Ou drogada. Eu esperava que você tivesse cabelo (Bruce Willis está careca no filme). Então parece que nossos sonhos não estão virando realidade neste exato momento.”
Ou então mais este diálogo, de novo entre Frank e Sarah, depois que eles chegam à casa maluca do muito doidão Marvin, o ex-agente interpretado por John Malkovich:
Sarah: – “Uau! Esse cara é louco.”
Frank: – “Bem, ele acha que foi submetido a um projeto secreto do governo sobre o controle da mente. Na verdade, deram para ele doses diárias de LSD durante 11 anos.”
Sarah: – “Então, nesse caso, ele parece ótimo.”
Velhinhos que se divertem na briga contra o Sistema e os jovens autoconfiantes
E ainda tem a coisa do confronto de gerações – o jovem agente da CIA muito bem treinado, Cooper (Karl Urban), contando com todo o inesgotável poder da agência federal, não consegue admitir que está tão difícil cumprir sua missão de matar aqueles velhinhos aposentados. Há boas piadas com a coisa dos velhinhos – e os atores, veteranos, experientes, parecem de fato se divertir demais naquela briga contra o Sistema e contra os jovens cheios de autoconfiança.
Nisso, o filme faz lembrar a graça de Cowboys do Espaço, de 2000, em que Clint Eastwood se diverte e nos diverte com as aventuras de veteranos astronautas, interpretados pelo próprio diretor e mais Tommy Lee Jones, Donald Sutherland e James Garner.
Neste filme aqui, os astros todos estão ótimos – mas as melhores interpretações, as mais gostosas, divertidas, perfeitas, são das mulheres. Mary-Louise Parker e Helen Mirren roubam o show.
Atrás da cortina de tiros, uma dura crítica aos serviços de inteligência dos EUA
Com inteligência, graça, um senso de humor interessante, que, repito, não cai no absoluto escracho, este RED – Aposentados e Perigosos, além de poder agradar aos fãs dos filmes de ação e mesmo a quem, como eu, não é nada fã desse gênero, conduz, o tempo todo, a uma crítica séria do excessivo poder, do gigantismo das instituições federais americanas de segurança e inteligência.
A CIA é apresentada como uma imensa força que está acima do controle dos poderes democráticas – Executivo, Legislativo, Judiciário -, que muitas vezes toma decisões por conta própria, que treina e forma assassinos profissionais que vão trabalhar em diversos países, atentando contra sua soberania. Um poder gigantesco, incomensurável e sem controle do Estado.
A intenção dos realizadores de, por trás da cortina de tiros e explosões e exageros, fazer uma denúncia forte contra as instituições de segurança e inteligência, é muito clara, o tempo todo. Mas, para que não sobre dúvida alguma, o DVD do filme apresenta, entre seus muitos extras, apresentações especiais, cinco ou seis filmetes curtos relatando ações absurdas da CIA, reveladas quando arquivos antes secretos tiveram que ser abertos ao público. Um dos filmetes fala sobre o projeto secreto de tentativa do controle da mente com uso de drogas alucinógenas, em especial o LSD, o que faz lembrar Os Homens Que Encaravam Cabras; outro mostra como a CIA depôs nos anos 50 um governo democraticamente eleito da Nicarágua para garantir a continuidade do trabalho de uma grande empresa americana, a United Fruits. É tudo tão absurdo, inadmissível, que parece coisa criada por loucos paranoicos como o personagem de John Malkovich – mas os realizadores garantem que é tudo verdade.
Um filme sobre velhinhos aposentados que se deu bem nas bilheterias
O AllMovie faz muitas ressalvas ao filme, questiona o ritmo (que eu achei ótimo, entremeando ação rápida e momentos mais lentos). O público parece que gostou. Vejo no Box Office Mojo que o filme custou US$ 58 milhões, rendeu US$ 90 milhões no mercado americano e já chegou a US$ 186 milhões no mundo todo.
Legal ver um filme sobre velhinhos aposentados render tanto. Mesmo que sejam velhinhos aposentados super-heróis.


O Turista / The Tourist


Nota: ★★☆☆
Anotação em 2011: Gastaram US$ 100 milhões para fazer este O Turista, que reconta a história criada pelo roteirista e diretor francês Jérôme Salle no filme Anthony Zimmer – A Caçada, feito apenas cinco antes, em 2005. Usaram para isso o talento do diretor alemão Florian Henckel von Donnersmarck, autor do belo e sério A Vida dos Outros, sobre a polícia política da falecida Alemanha Oriental, a Stasi.
A ação se passa em Paris e Veneza, duas das cidades mais belas do mundo – e as tomadas de Veneza são deslumbrantes.
Para fazer os dois personagens centrais, juntaram, se não me engano pela primeira vez, dois dos maiores astros do cinemão comercial americano, Johnny Depp e Angelina Jolie.
O filme é uma diversãozinha razoável. Caro, bem feitíssimo em todos os quesitos técnicos – um filminho de ação que mistura thriller e romance e que a gente esquece cinco minutos depois que termina.
Mas o povo gosta. Rendeu US$ 67 milhões nos Estados Unidos, US$ 210 milhões no resto do mundo, R$ 278 milhões no total, em apenas seis meses – da estréia em dezembro de 2010 até final de maio, segundo o Box Office Mojo.
Para mim, pessoalmente, O Turista serviu para constatar que Angelina Jolie parece hoje uma caricatura feita no Photoshop.
Angelina Jolie é uma espécie assim de Jessica Rabbit, a personagem de desenho animado de Uma Cilada para Roger Rabbit/Who Framed Roger Rabbit, que Robert Zemeckis fez em 1988 – sem as curvas voluptuosas do corpo da coelhinha, porque não tem curvas, tão magrela que parece anoréxica. Sem curvas, mas com um excesso de boca – um rosto exagerado como de um personagem de desenho animado, como uma caricatura.
Uma caricatura criada no Photoshop.
Mas o povo adora. Então tá.
Perseguições, tiros, grandes aventuras, um jogo de esconde-esconde
Quando a ação começa, aquele fenômeno de mulher – seu personagem se chama Elise Clifton-Ward – está saindo de um prédio de apartamentos chiquetérrimo em Paris, e metade de todos os espiões, agentes, arapongas do mundo está de olho nela. Em Londres, inspetores da Scotland Yard estão observando todos os seus movimentos, captados pelas diversas câmaras dos agentes da Interpol que a seguem. E lá vai ela, elegantérrima (e magérrima, anoréxica), sentar-se a um chiquérrimo café parisiense, na calçada de uma bela rua parisiense. Enquanto toma seu café, um entregador de correspondência se aproxima dela e entrega uma caixa. Dentro da caixa, há uma carta assinada por Alexander Pierce. Nela, Alexander dá instruções a Elise: ela deve tomar o trem das 8h22 para Veneza e, dentro do trem, procurar por alguém da estatura dele, Alexander, e ficar junto dessa pessoa. Ah, sim, e após ler a carta, Elise deve pôr fogo nela.
Elisa queima a carta em cima de um prato e se levanta para ir embora do café. Uns duzentos arapongas vão atrás dela, um outro pega a carta queimada, a qual será submetida a um exame cuidadosíssimo, com os maiores requintes da moderna tecnologia.
Elisa pegará o trem para Veneza. Procurará uma pessoa da estatura de Alexander Pierce, e achará Johnny Depp, que diz a ela se chamar Frank Tupelo, professor de matemática do Wisconsin (bem, pode não ser do Wisconsin, mas é de um daqueles Estados do Meio Oeste americano). Conversam, jantam juntos. Ao chegar a Veneza, Elisa levará o turista para sua imensa, imperial suíte em um dos hotéis mais granfos e caros da cidade dos amantes.
Para tornar mais curta uma trama longa, é o seguinte: Alexander Pierce era o banqueiro particular de um bilionário inglês, Reginald Shaw (Steven Berkoff), um gângster, um dos maiores do mundo, e dele roubou uma imensa fortuna. A partir daí, passou a ser procurado pelo gângster e por seus capagas – um monte de russos mal-encarados e violentos – e também pela Scotland Yard, pela Interpol, por todas as polícias do mundo. O gângster, naturalmente, quer seu dinheiro de volta. As polícias todas do mundo querem que ele pague impostos por sua fortuna.
Elise, naturalmente, é a mulher da vida de Alexander. Não o vê há dois anos.
A partir da chegada a Veneza, haverá perseguições, tiros, grandes aventuras, um jogo de esconde-esconde, um desfilar de riqueza, um fantástico (e, a rigor, bastante ridículo) baile de gala. Tudo uma imensa bobagem – mas as paisagens de Veneza são de babar.
Angelina Jolie usa 12 vestidos diferentes!
O filme original, Anthony Zimmer – A Caçada, era estrelado por Sophie Marceau, Yvan Attal e Sami Frey. Dentro da lógica dos grandes estúdios americanos, como era falado em outra língua, e feito em outro país, então não existiu, e os americanos devem refilmar a história. Mesmo que para isso tenham que usar um diretor alemão.
Aliás, além das belas tomadas de Veneza, o filme tem algumas boas piadinhas, várias delas de europeus gozando os americanos.
E Johnny Depp é engraçadinho. Ele faz umas boas carinhas de bobo que não está entendendo nada do que acontece à sua volta.
O filme teve três indicações ao Globo de Ouro, na categoria musical ou comédia: melhor filme, melhor ator para Johnny Depp, melhor atriz para Angelina Jolie.
Vejo no IMDb uma informação importante, fundamental para os destinos da humanidade: Angelina Jolie usa 12 diferentes vestidos ao longo do filme. 12 diferentes vestidos em cima daquelas carninhas poucas. Então tá legal.
Que os deuses permitam que Florian Henckel von Donnersmarck volte a usar seu talento para fazer bons filmes.


As Loucas Aventuras de James West / Wild Wild West


Nota: ★★½☆
A melhor palavra para definir As Loucas Aventuras de James West, no original Wild Wild West, é extravaganza.
Me lembrei da palavra porque ela costumava ser associada aos filmes de Busby Berkeley (1895-1976), o coreógrafo e diretor de musicais dos anos 30 e 40 que criou um estilo visual único, que de alguma forma flertava com o surrealismo e antecipava a op-art, com centenas de bailarinas vestidas de forma idêntica preenchendo todos os cantos da tela em planos gerais impressionantes.
Extravaganza, dito em inglês, parece algo mais extravagante, mais doidão, do que uma simples extravagância.
Em As Loucas Aventuras…, o diretor Barry Sonnenfeld, o criador dos extravagantes MIB – Homens de Preto/Men in Black, extrapalou: misturou western com comédia maluca com filme de ação tipo Missão Impossível ou aventura de James Bond com ficção científica com uma pitadinha de musical.
Uma gigantesca extravaganza.
Caríssima, é claro, como não poderia deixar de ser. Custou, em 1999, absurdos US$ 170 milhões. Com esse orçamento, Edward Burns faria 68 filmes como Os Irmãos McMullen ou Os Amores de Johnny. Woody Allen faria 11 filmes como Vicky Cristina Barcelona – e ainda sobrariam uns trocados.
Claro que As Loucas Aventuras… está muito longe da qualidade artística de qualquer um desses três filmes mencionados no parágrafo anterior. Nem sequer tinha tido interesse de ver o filme na época do lançamento, em 1999; me lembrava vagamente de que todo mundo tinha metido o pau. Mas ele piscou pra gente na locadora, pegamos para experimentar – e a verdade é que uma boa diversão. Evidente: é só divertissement, é descartável, a gente vê e esquece logo. Mas, enquanto está vendo, é uma boa diversão.
Sonnenfeld é bom no que faz. Will Smith, Kevin Kline e Kenneth Branagh são ótimos na comédia, conforme já provaram tantas vezes. Há a beleza explosiva de Salma Hayek, e de mais quatro atrizes que aparecem pouco mas alegram os olhos quando aparecem. E, no meio da história louquíssima, extravagantemente louca, há ótimas piadas.
Seis pessoas trabalharam no roteiro – prova de que a coisa é complicada
Uma história louquíssima.
Os créditos iniciais – por sinal não menos que brilhantes, um grafismo rico, inteligente, criativo, ao som de uma trilha sonora perfeita, criada pelo mestre Elmer Bernstein, tão especialista em música para o western americano quanto Ennio Morricone para o western spaghetti – mostram que seis pessoas trabalharam no argumento e no roteiro. Dois sujeitos criaram a história doidona – Jim Thomas e John Thomas.
A história e os personagens centrais criados por Jim e John Thomas havia dado origem, nos anos 60, a uma série de TV.
O roteiro do filme que recicla os personagens da TV é assinado assim: S.S. Wilson & Brent Maddock e Jeffrey Price & Peter S. Seaman. Se é que compreendo os códigos do WGA, o Writer’s Guild of America, o sindicado dos roteiristas, significa que uma dupla (S.S. Wilson & Brent Maddock) elaborou o roteiro; aí outra dupla (Jeffrey Price & Peter S. Seaman) pegou o trabalho da primeira e o refez.
Em geral, quando acontece esse tipo de coisa, nego refazendo um roteiro que o estúdio rejeitou, é porque o troço é complicado.
Então é assim: estamos em 1869, quatro anos, portanto, após o fim da Guerra Civil Americana, que opôs as forças da União, do Norte, contra os Estados confederados, sulistas, escravagistas. O exército confederado do general Robert E. Lee havia se rendido, e o presidente americano era Ulysses S. Grant, que havia, durante o governo anterior, de Abraham Lincoln, chefiado as forças da União na guerra.
Esses são os fatos históricos. Entra a louca ficção dos seis sujeitos que escreveram o filme:
Nem todo o Sul, porém, havia se rendido. O general McGrath, também conhecido como general Banho de Sangue McGrath (Ted Levine), ainda comandava um grupo de rebeldes. Figura esquisitíssima, o general Banho de Sangue; em vez da orelha direita, perdida em alguma batalha, tem um pequeno alto-falante em forma de cone, miniatura daqueles alto-falantes dos primeiros gramofones que seriam usados décadas mais tarde.
Mas o grande chefe sulista rebelde é um sujeito de aparência ainda mais esquisita, o dr. Arliss Loveless (interpretado pelo britânico e shakespeariano Kenneth Brannagh). Loveless perdeu todo o corpo da cintura para baixo, e é então um tronco, cabeça e braços ligados a uma cadeira de rodas veloz e malabarista. Sequestrou os maiores cientistas da época, e os pôs para trabalhar no projeto de engenhocas com as quais pretende nada mais nada menos que obrigar o presidente Grant a se render aos Estados confederados do Sul.
Para enfrentar esses terríveis inimigos, o presidente Grant destaca dois super-heróis, homens de sua mais estrita confiança: o capitão do exército James West (Will Smith) e o delegado federal Artemus Gordon (Kevin Kline).
Uma escolha acertadíssima dos atores que interpretam os super-heróis
West e Gordon vão se estranhar, e muito. São antípodas. West é o super-herói tradicional do western: hábil no manejo das armas, sejam elas quais armas forem, rapidíssimo no gatilho, bom de briga. Se juntássemos a destreza, a força e a coragem de Shane (o personagem de Alan Ladd no grande clássico), a determinação do xerife Will Kane (o papel de Gary Cooper em Matar ou Morrer) e a força tranquila de Tom Doniphon (o papel de John Wayne em O Homem Que Matou o Facínora), não teríamos um milésimo do que James West é capaz.
Gordon é o intelecto. Tem assim a capacidade de se fantasiar de outras pessoas que o Sherlock Holmes original, o criado por Arthur Conan Doyle, perdão, narrado pelo doutor John Watson, tinha. E é também um criador de engenhocas, gadgets – assim uma espécie de mistura do professor Emmett Brown da série De Volta para o Futuro com aquele inventor que cria as engenhocas para James Bond nos filmes da franquia 007.
A escolha dos dois atores para fazer os super-heróis é acertadíssima. Will Smith, com aquele rosto bonito de garotão rapper e aquele físico magrinho, não precisa fazer esforço algum para interpretar o James West que primeiro atira e depois pergunta. É um personagem muito parecido com o que interpretaria nos filmes da série MIB – Men in Black.
E Kevin Kline combina à perfeição com o intelectual-almofadinha-transformista. Ator excelente, cheio de matizes no drama (Grand Canyon, O Clube do Imperador), tem um excelente timing para a comédia, e parece se divertir em se transformar em outras caras e outro sexo, como em Será Que Ele É?/In & Out.
Estamos ainda bem no início do filme, e Artemus Gordon-Kevin Kline se fantasia de presidente Grant, na Casa Branca diante da qual pastavam tranquilas ovelhas. Artemus Gordon-Kevin Kline fantasiado de Grant se parece bastante com o Grant que podemos ver nas notas de US$ 50.
Parece tanto com Grant, que o “verdadeiro” Grant também é interpretado por Kevin Kline. E, nas diversas seqüências em que o presidente Grant aparece ao lado do super-herói Gordon, temos então dois Kevin Klines, contracenando graças aos milagres da tecnologia. Eu, pateta, vi o filme todo achando que algum outro ator fazia o presidente Grant. Só descobri que era Kevin Kline em papel duplo ao ler os créditos finais
Precisava ter uma mulher bonita na trama. Puseram seis
Dois bandidões, o general Banho de Sangue McGrath e o cientista doidão Loveless. Dois super-heróis antípodas que a princípio se destestam, West e Gordon. Precisava ter mulher – o tal do female interest.
Temos seis.
Há Rita Escobar (o personagem de Salma Hayek), que primeiro aparece como uma dançarina de cabaré-puteiro, depois reaparece se dizendo filha de um dos cientistas raptados por Loveless. Rita encherá os olhos das platéias masculina e GLS chegada a uma mulher bela, e disputará, claro, as atenções dos dois super-heróis.
Há a bela sem nome (Garcelle Beauvais) que aparece na primeira seqüência em que vemos James West, os dois pelados tomando banho em uma daquelas gigantescas caixas d’água do Velho Oeste, versão agigantescada de uma banheira de ofurô.
E temos ainda as quatro mulheres que formam a tropa de choque do bandidão Loveless: Amazonia (Frederique van der Wal), Munitia (Musetta Vander), Miss Lippenrieder (Sofia Eng) e Miss East (Bai Ling).
Nenhuma sutileza – e muita ação, piadas e velocidade
As Loucas Aventuras… é um filme que pode ser acusado de muita coisa, menos de sutileza. Basta observar os nomes dos personagens. Loveless, o vilão, é de uma obviedade paquidérmica – sem amor. Amazonia é boa no arco e flecha, como as amazonas da mitologia grega. Munitia é boa nas armas de fogo, e sua munição não termina nunca. Miss Lippenrieder, leitora de lábios em alemão, em alemão porque a atriz é alemã, sabe leitura labial. E Miss East, que receberá James West, East meets West, é uma oriental.
Falta sutileza, mas sobram ação, piadas e velocidade. O filme tem piadas e ação e ação e piadas numa rapidez estonteante – tudo artesanalmente perfeito. E tem, pelo menos, uma piada genial, fantástica. É quando o general Banho de Sangue McGrath cai no chão durante uma briga, e seu pequeno alto-falante que substitui a orelha se aproxima de um cãozinho. Foi daí que inventaram a logomarca da RCA Victor.
Mas não é só esta piada visual que é boa. Há diálogos gostosos, muita brincadeira com o fato de James West ser negro no Sul Profundo racista até a medula. E Will Smith travestido de dançarina africana é hilariante.
É isso aí. Extravaganza cara, bem feita, gostosa, divertida – e absolutamente descartável.

O Contrato / The Contract


Nota: ★★½☆
O Contrato, que o experiente Bruce Beresford dirigiu em 2006, é um competente filme ação com um toque de aventura e algum bom humor. Não é, e claramente não pretende ser, nada mais que isso. Para quem gosta desse tipo de coisa, é um prato cheio. Quem não gosta deve passar longe dele.
Os dois personagens centrais da história não poderiam ser mais díspares, opostos, antípodas. Morgan Freeman, ótimo como sempre, sem fazer qualquer esforço – para o ator, é como ligar o piloto automático e pronto, ele nos dá uma bela interpretação –, faz Frank, ex-major, ex-agente de uma das agências federais americanas, talvez o FBI, mais provavelmente a CIA, hoje um assassino de aluguel para quem pagar melhor. Na verdade, mais que um assassino de aluguel: o chefe de uma equipe de assassinos de aluguel. A equipe, formada por ele e mais quatro sujeitos, é afiadíssima, perfeita. Ele, então, o chefe, é assim daquela espécie de super-homem que só existe na imaginação dos roteiristas de filmes de ação do cinemão comercial.
John Cusak interpreta Ray, o típico americano médio, o sujeito normal – ou quase. Está ali perto dos 40 anos, mora em Cedar Pine, uma pequena cidade do Estado de Washington, no extremo noroeste do país; dá aula de educação física no colégio local, e é treinador dos times de beisebol e futebol americano. Perdeu a mulher para o câncer, e agora enfrenta o tipo de problema mais comum do mundo: seu filho único, Chris (Jamie Anderson), adolescente aí de uns 15 minutos, perdido como quase todo adolescente, com uma saudade, uma falta absurda da mãe, anda faltando às aulas, aos treinos esportivos e fumando maconha.
Na primeira sequência em que vemos Ray, durante os treinos do time de beisebol, o policial da cidadezinha está levando Chris para entregá-lo ao pai, depois de ter flagrado o garoto fumando um.
De um lado, um matador profissional, um super-herói, que acaba de matar mais um e se prepara para cumprir outro contrato. Do outro lado, um all-american comum, vivendo seu dia-a-dia de tentar estabelecer com o filho.
Matar pessoas sem deixar qualquer rastro – parece dizer o filme – é muito mais fácil do que entrar em sintonia com um adolescente perdido.
As vidas do assassino super-herói e do homem comum se cruzam num parque nacional
O espectador vai acompanhando as histórias paralelas de Frank e Ray. Como na mais previsível das comedinhas românticas, o espectador está cansado de saber que os destinos de Frank e Ray vão se cruzar. A questão é saber como, quando e onde.
Será aos cerca de 20 minutos de filme, num parque nacional, longe de lugares habitados e onde os telefones celulares não pegam. Ray tinha ido parar lá porque teve a idéia de propor uns dias no meio da natureza com Chris – acampar no parque era uma das poucas coisas que Chris gostava de fazer, e Ray pensou que poderia ser uma forma de ele se aproximar o filho inaproximável.
Já Frank tinha ido parar lá após uma série imprevista de acontecimentos. O contrato que ele tinha a executar era exatamente naquela região do país, em Cedar Pine. Mas mesmo na vida dos super-heróis acontecem imprevistos, e Frank acabou se envolvendo – não por culpa dele, é claro – num tremendo acidente de trânsito na pequena cidade. Ao ser levado para o hospital, os médicos viram a arma que ele carregava, a polícia estadual foi chamada, e, quando Frank recobrou a consciência, no hospital, estava algemado à cama, e àquela altura o FBI, a CIA, provavelmente também o serviço especial e as demais agências federais já haviam sido avisadas de sua prisão. Algumas pessoas nessas agências o queriam preso, outras o queriam morto, silenciado.
É bastante evidente, embora não se explicite muito como, que as agências do governo dos US of A já haviam usado no passado os talentos assassinos de Frank em algumas de suas próprias operações.
Mas então chegam ao distante Estado de Washington delegados federais para cuidar de Frank. Ele está sendo levado pela estrada que atravessa o parque nacional quando o carro é interceptado pelos quatro homens de seu grupo. A interceptação não dá cem por cento certo: o carro em que viajavam Frank e um delegado federal no banco de trás, um algemado ao outro, despenca num precipício, vai parar num rio lá embaixo; Frank e o delegado vão sendo levados pela correnteza do rio, enquanto vão lutando ferozmente.
Naquele exato instante, o homem comum Ray e seu filho maconheiro estão cruzando o rio numa pequena ponte.
O assassino diz a coisa errada – e desperta a teimosia feroz do homem comum
O delegado federal já havia sido ferido de morte por Frank, mas, antes de morrer, conta para Ray, que consegue tirar os dois de dentro do rio, que aquele é um criminoso muito perigoso. O delegado entrega a Ray a chave da algema e sua arma.
Frank tenta, com calma, argumentar com Ray que é melhor deixá-lo ali e sumir, pois há um grupo de homens altamente treinados que estão vindo em seu socorro. Gente que está muito além do nível das coisas que ele, Ray, conhece, domina.
Chris, o garoto maconheiro, percebe que o bandidão falou a coisa errada. Ao dizer que Ray não daria conta de cuidar do assunto, ou seja, entregar o prisioneiro para alguma autoridade, Frank despertou a teimosia do outro. Algo que ele não deveria fazer, de jeito nenhum.
- “Você disse a coisa errada, Mister” – pondera Chris.
Pontuando toda a narrativa, diálogos de um suave bom humor
Estamos aí com uns 25 minutos de filme. A aventura está só começando.
As cenas de ação, de enfrentamento dos perigos da natureza, são feitas com extrema competência. Uma seqüência em que Frank, Ray e Chris descem um grande despenhadeiro é capaz de deixar o espectador com calafrios. Os atores estão bastante bem. Mas o que melhor funciona, ao longo de todo o filme, na minha opinião, é o suave bom humor com que os roteiristas Stephen Katz e John Darrouzet pontuaram a narrativa.
Por exemplo: pouco antes de o carro que conduzia o delegado federal e Frank no banco traseiro ser parado pelos homens do prisioneiro, o motorista e seu colega sentado no banco do carona conversavam sobre os filmes legendados.
Policial no banco do carona: – “Não gosto de ler enquanto estou vendo um filme.”
Policial que dirige: – “Você se acostuma.”
Policial no banco do carona: – “Tudo bem para você que fala espanhol.”
Policial que dirige: – “Não tão bem assim. Ainda tenho que ler as legendas. Admita que você simplesmente não gosta de ver filmes estrangeiros.”
Policial no banco do carona: – “Eu gosto de ver. Se quiser ler, compro um livro.”
Volta e meia surgirão diálogos assim, irônicos, gozativos, sarcásticos – não escrachados, e sim suaves, quase sutis.
Já é uma longa tradição do cinemão comercial mostrar a disputa, a rivalidade entre os policiais locais e os federais. O Contrato vai fundo nessa história, e há diversas situações sutilmente engraçadas mostrando o embate entre os policiais de Washington, o Estado, e os agentes de Washington, a capital federal.
Como nas comedinhas românticas, é tudo – ou quase absolutamente tudo – previsível. No cinemão comercial, ao contrário do que acontece na vida real, e na canção de Leonard Cohen – everybody knows that the good guys lost, canta o bardo –, os bons vencem, os maus perdem.
Só que, em O Contrato, é assim só mais ou menos. Não é exatamente assim. É: na verdade, O Contrato, embora previsível em muita coisa, tem um final bem surpreendente.
É uma boa diversão.

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